A Expressividade e Subjetividade da Literatura
O que é expressivo e o que é subjetivo na literatura? A expressividade e a subjetividade são elementos indissociáveis na construção da obra literária? Se tomamos a expressividade como a capacidade de utilizar a palavra em um nível que a desvincula do pragmatismo da língua, como ela se manifesta nas obras que chamamos de literárias justamente pela capacidade de seus criadores operarem com cuidado tal elemento? E se tomamos a subjetividade como a manifestação do sensível, como ela se transfigura na literatura e opera, justamente no nível da expressividade, da construção dos textos artísticos? A expressividade e a subjetividade são elementos que compõem as obras que procuram alcançar o público adulto ou são intrínsecas também na construção da obra pensada para o público infantil e juvenil? A expressividade e a subjetividade devem ser observadas e mesmo definir os princípios que envolvem a mediação de leitura, já que percebê-las é um fator determinante na recepção da obra?
As características da literatura focalizadas nessa obra ultrapassam o texto impresso e migram para outras linguagens, como a dança, o cinema e os gêneros textuais que as redes sociais abarcam?
Essas e muitas outras questões em torno do título da chamada para a presente obra inspiraram pesquisadores de diversas instituições brasileiras a escreverem os textos que a compõem, muitos assumindo as reflexões com as quais abrimos esta Apresentação, outros simplesmente inspirados por elas.
O entendimento muito particular das questões levantadas anteriormente levou ao desdobramento do título da chamada – e da obra – em trabalhos de temáticas variadas, e que, por vezes, entrecruzam-se, haja vista abordagens parecidas, o aproveitamento dos mesmos aportes teóricos, o estudo de obras de mesmos autores ou autoras ou épocas, ou, então, a pesquisa sobre obras destinadas ao mesmo público. A divisão que propomos ao organizarmos a obra serve somente para melhor agruparmos os estudos em temáticas e para apresentá-los, tendo em vista alguma aproximação. Contudo, o Sumário que propomos é contínuo, sem as divisões que o leitor perceberá nesta Apresentação.
Nos primeiros seis textos, são abordadas importantes temáticas em obras escritas por mulheres, que trazem temas como a representação da memória, a escrita autobiográfica, o testemunho, as questões de gênero, entre outros. Na ordem em que aparecem na obra, eles abordam especificamente: a dimensão simbólica espaçotemporal na linguagem que compõe a narrativa A cidade sitiada, de Clarice Lispector; a representação das memórias de tempos de grande sofrimento – a espera do marido que estava preso no campo de concentração de Buchenwald, no período da ocupação alemã na França – na obra A Dor, da escritora francesa Marguerite Duras; o fazer literário a partir do romance contemporâneo Desamparo, da escritora portuguesa Inês Pedrosa, com destaque para a utilização da memória na estrutura da narrativa, na História ou na fábula, lugar em que se cruzam o político e o biográfico de Portugal e do Brasil; a análise da constituição do medo na narrativa fantástica Lídia, de Maria Teresa Horta, que resulta em uma releitura das relações de gênero, destacando a presença emudecida e silenciada do outro: a mulher; a escrita historiográfica de Elisabeth Badinter no seu livro Émilie, Émilie, com vista a discutir as representações sociais sobre o papel destinado à mulher no status quo do ocidente, via análise do cenário social no século XIII; o silenciamento do testemunho feminino em A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch.
Os três capítulos seguintes também tratam de obras literárias escritas por mulheres. O primeiro dos três aponta a marca feminina na composição de Coletânea das Flores: poetizas do Pajeú, subvertendo a hegemonia masculina na autoria da poesia popular nordestina e deixando em evidência a utilização de diversos recursos poéticos e a contribuição valiosa da escrita poética de mulheres que vieram para somar e ampliar o universo predominantemente masculino. O segundo trata da representação de Lisboa na literatura de autoria feminina, tomando, para isso, as obras de Luísa Sigeia, Teresa Orta, Ana Plácido, Guiomar Torresão, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa. O terceiro fecha a presença da literatura produzida por mulheres trazendo à obra uma interpretação do conto Ovo e a Galinha, de Clarice Lispector, baseada em um viés epistemológico, relacionando a narrativa à filosofia de Kant, como uma teorização acerca da dualidade de conhecimentos possíveis, o cognoscível e o conhecimento das coisas em si.
Ainda na esteira das análises de obras literárias, um estudo demonstra a cena de escrita, que se dá na encenação do ato de escrituração, nos poemas A faca não corta o fogo, Servidões e A morte sem mestre, de Herberto Helder. Na sequência, são focalizadas as questões identitárias e de gênero literário no relato de vida indígena A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert. O capítulo seguinte apresenta as correlações entre o som e silêncio com os momentos finais da incansável busca dos amantes da obra Avalovara, de Osman Lins, e as possíveis associações com o sagrado impregnado na tradição oriental do tantrismo. O capítulo seguinte trata de uma leitura sobre o conto Insônia, de Graciliano Ramos, que observa os aspectos estruturais de sua narrativa e possibilita estabelecer uma relação com os princípios que norteiam a literatura fantástica. No capítulo que é apresentado posteriormente, os pesquisadores realizam uma análise da obra Belém do Grão-Pará, de Dalcídio Jurandir, com objetivo de refletir sobre os personagens infantis que surgem nessa narrativa como figuras metonímicas do desnudamento humano, apontando para a condição de exceção daqueles que estão à margem de qualquer privilégio no contexto pós-belle époque. No fechamento dessa parte, evidencia-se um estudo da obra Saudade, do escritor Tales de Andrade, que recai na análise acerca da linguagem empregada pelo autor, a partir, principalmente, dos pressupostos teóricos de Alice Maria Faria, recuperados do texto Purismo e coloquialismo nos textos infanto-juvenis.
Pensar a expressividade e a subjetividade da literatura só tem sentido se o encontro entre obra literária e leitor, de fato, ocorrer. Assim, a obra que estamos a apresentar abre espaço para alguns estudos que refletem sobre a mediação de leitura, a formação de leitores e a formação de professores. Dessa maneira, na sequência, dois pesquisadores realizam uma reflexão sobre a formação de leitores na infância, isto é, nas séries iniciais do ensino fundamental, com o objetivo básico de dialogar com as concepções teóricas e práticas que sustentam a formação de leitores nessa fase escolar, levando-se em conta os processos de alfabetização e de multiletramentos.
Em seguida, tem espaço um capítulo sobre a construção dos sentidos do texto literário por crianças do 1º ciclo de formação humana. Com base nos dados recolhidos pelas autoras/pesquisadoras, é possível afirmar que as crianças mostram-se ativas participantes da interação propiciada pelos Círculos de Leitura (prática de mediação de leitura proposta pelo pesquisador Rildo Cosson), apontando aspectos interessantes nos livros, quando fazem previsões motivadas, sobretudo, pelas imagens. As análises também mostram a necessidade de mediação para que elas ampliem a compreensão de textos literários desafiadores, que exigem do leitor habilidades complexas, como a de realizar inferências. O estudo seguinte abre espaço para importantes reflexões sobre a leitura e a escrita no contexto da infância. Posteriormente, a obra traz um capítulo que reúne reflexões presentes em duas pesquisas – uma de mestrado e outra de doutorado –, cujo objeto comum é o interesse em pensar o letramento literário, tendo em vista a mediação e a recepção da literatura juvenil. No capítulo apresentado depois, a formação de leitores literários continua sendo focaliza, contudo em um trabalho que reflete sobre a literatura e formação inicial e continuada de professores leitores literários, o que nos leva a afirmar que a leitura literária deve ser pensada em campos distintos de atuação: junto aos pequenos e jovens leitores e junto àqueles que se preparam para mediar as práticas de leitura realizadas com os primeiros. Ganha espaço, na continuação da obra, um estudo sobre o Estágio Supervisionado Obrigatório, componente curricular central na formação inicial de professores e professoras.
Uma vez que não podemos conceber a literatura sem considerar o diálogo com as outras artes e linguagens, a obra encerra-se com quatro estudos, um sobre a relação entre um poema e a dança, dois sobre cinema e um sobre um gênero textual que tem comparecido nas redes sociais de maneira recorrente, o “meme”. No primeiro capítulo dessa última parte, é apresentado um trabalho investigativo de literatura comparada do poema L’après-midi d’un faune, de Mallarmé, e a notação coreográfica de Nijinsky inspirado no poema, também intitulada L’après-midi d’un faune. Adentrando na área do cinema, temos uma análise hermenêutica do percurso do personagem Che Guevara, de Diários de motocicleta, filme do cineasta Walter Salles, a partir do arcabouço teórico fornecido pelo conceito de “engajamento”, disseminado nos escritos de Jean-Paul Sartre e, mais especificamente, na entrevista O existencialismo é um humanismo, de 1945. O capítulo posterior é uma instigante reflexão sobre cinema, fabulação e educação infantil. Fecha a obra uma investigação sobre o gênero textual digital “meme” e sua importância para a tomada de consciência política, a partir da metodologia conhecida como investigação-ação.
Ao todo, são trinta e nove autores que compareceram a mais esta chamada da Atena Editora, alguns até assinando dois trabalhos na obra. Esperamos que o leitor que agora entra em contato com os capítulos perceba o entusiasmo que moveu um grupo tão grande e escolha os estudos de seu interesse para apreciação e leitura.
O organizador
A Expressividade e Subjetividade da Literatura
-
DOI: 10.22533/at.ed.938190209
-
ISBN: 978-85-7247-593-8
-
Palavras-chave: 1. Criação (Literária, artística etc.). 2. Literatura – Estudo e ensino.
-
Ano: 2019
- Augusto Sarmento-Pantoja
- 1Ana Lucila Macedo de Possídio² 2Elinalva Coelho Luz¹
- Adelina Maria Salles Bizarro
- Alexandre Bartilotti Machado
- Ana lucila Macedo de Possidio
- Ana Paula dos Santos Martins
- Anna Christina Freire Barbosa
- Carollaine Pinto de Souza
- Cleudene de Oliveira Aragão
- Deise Quintiliano Pereira
- Eliana Guimarães Almeida
- Émile Cardoso Andrade
- Erisvânio Araújo dos Santos
- Glaubia de Castro Amorim
- Janete Magalhães Carvalho
- João Felipe Barbosa Borges
- José Teófilo de Carvalho
- Juliana Almeida Salles
- Kamila Kayrelle Barbosa Gomes
- Kleberson Saraiva dos Santos
- Krisna Cristina Costa
- Lívia Mara Pimenta de Almeida Silva Leal
- Luiz Renato de Souza Pinto
- Maria Cristina Vianna Kuntz
- MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS
- Maria Elisa de Araújo Grossi
- Maria Zélia Versiani Machado
- MARTHA COSTA GUTERRES PAZ
- Martins, Ana Paula dos Santos
- Patrícia Ferreira Alves
- Roberto Bezerra de Menezes
- ROSANE CASTRO PINTO
- ROSILEIDE DOS SANTOS GOMES SOARES
- Sandra Kretli da Silva
- Stanley Gutiery Messias da paz
- Tania Mara Zanotti Guerra Frizzera delboni
- THAIS MEIRELLES PARELLI
- Thayza Alves Matos
- Ulysses Rocha Filho
Artigos
- Periglosas: tradição e ruptura na poesia do Pajeú
- Arquivos da memória em A Dor de Marguerite Duras
- Clarice Lispector e a Epistemologia: uma análise de O ovo e a galinha a partir da Crítica da Razão Pura, de Kant
- CINEMA, FABULAÇÃO E EDUCAÇÃO INFANTIL
- DIÁRIOS DE MOTOCICLETA: É POSSÍVEL SE FALAR EM CINEMA ENGAJADO NA CONTEMPORANEIDADE?
- Formação de leitores na infância: pistas para multiletramentos
- EU, TU E NÓS: QUESTÕES IDENTITÁRIAS E LITERÁRIAS EM A QUEDA DO CÉU: PALAVRAS DE UM XAMÃ YANOMAMI
- O SILENCIAMENTO DO TESTEMUNHO FEMININO EM A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER DE SVETLANA ALEKSIÉVITCH
- A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS DO TEXTO LITERÁRIO POR CRIANÇAS DO 1º CICLO DE FORMAÇÃO HUMANA
- O meme enquanto gênero textual e sua importância na tomada de consciência política
- Medo e relações de gênero em uma narrativa fantástica de Maria Teresa Horta
- DA MEMÓRIA À IMAGINAÇÃO: DIMENSÃO SIMBÓLICA ESPAÇO-TEMPORAL EM A CIDADE SITIADA DE CLARICE LISPECTOR
- A (DES)RAZÃO COMO ESPAÇO DO FANTÁSTICO EM “INSÔNIA”, DE GRACILIANO RAMOS
- A POÉTICA DE L’APRÈS-MIDI D’UN FAUNE: DOS VERSOS AOS PALCOS, O HÍMEN DE MALLARMÉ
- A cidade que não é de Ulisses, o Paraíso que não é de Eva
- Transfiguração e Silêncio em Avalovara, de Osman Lins
- REMEMORAÇÃO EM PROCESSO - INÊS PEDROSA
- Literatura juvenil na perspectiva dos leitores e dos mediadores
- ESTÁGIO SUPERVISIONADO OBRIGATÓRIO: LEITURA E RELEITURA DO PERCURSO FORMATIVO DOCENTE
- LITERATURA E FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES LEITORES LITERÁRIOS: UM ENTRE-LUGAR OU UM NÃO-LUGAR?
- A INFÂNCIA DESNUDA: A REGRA NA VIDA DOS AGREGADOS DA FAMÍLIA ALCÂNTARA EM BELÉM DO GRÃO PARÁ DE DALCÍDIO JURANDIR
- MULHERES E AMBIÇÃO NA ESCRITA DE ELISABETH BADINTER
- LEITURA E ESCRITA: UM MUNDO A SER DESCOBERTO PELA CRIANÇA
- Cenas de escrita no último Herberto Helder