Este artigo pretende analisar como o

aspecto da promessa pode configurar-se como

trágico em duas obras – a peça O pagador de

promessas, de Dias Gomes, e o conto “O dia

em que explodiu Mabata-Bata”, de Mia Couto.

Argumenta-se que o modo de configuração

do trágico é diferente nessas duas criações

literárias. Se, por um lado, na peça, Zé-do-

Burro quer a qualquer preço pagar a promessa

por realmente acreditar no poder e força que ela

tem, por outro lado, no conto, o tio do menino

Azarias utiliza-se da palavra empenhada para

tirar proveito dela, sem nenhuma intenção de

cumprir um acordo pré-estabelecido. A intenção

maior era tirar proveito diante de uma situação

que se criou. Assim, buscaremos mostrar a

constituição do trágico nas referidas obras por

meio dos diferentes aspectos da promessa e de

suas diferentes conotações, mobilizando, para

isso, um enfoque da Literatura Comparada. No

conto de Mia Couto, a promessa não cumprida

por parte de Raul faz-nos pensar tragicamente

em tudo que é negado ao povo moçambicano

no momento histórico do pós-independência.

Azarias seria a voz que ressurge das cinzas e

que alude a resquícios da subordinação entre

colonizado e colonizador, que ainda marca as

relações de poder em Moçambique. Ele pode,

ainda, representar os sonhos de muitos outros

Azarias, que quase sempre acabam frustrados.

Em Dias Gomes, à personagem Zé-do-Burro

também é negado o direito de honrar o seu

propósito e a dívida com a santa, de acordo

com os seus princípios religiosos, herança da

formação do povo brasileiro. Reproduzimos,

de forma condicionada, aspectos de uma

estrutura sociocultural, que também pode ser

percebida na análise que Abdala Júnior (2012)

faz da personagem Paulo Honório, na obra

de Graciliano Ramos. Assim como nas obras

analisadas neste artigo, os Paulos Honórios

de São Bernardo podem ser comparados aos

Azarias e aos Zés-do-Burro de muitos outros

contextos. Certos aspectos das narrativas

humanas repetem-se independentemente do

lugar onde foram produzidas. Podemos, assim,

afirmar que o ser humano acessa o mundo a

partir do seu lócus enunciativo.