O espaço de Terreiro como espaço educativo
Este trabalho apresenta reflexões sobre as Comunidades de Povos de Terreiro como espaços educativos, com aprendizagens específicas, culturais e ritualísticas, transgeracionais e afrocentrada. As Comunidades Tradicionais de Povos de Terreiro são os espaços de perpetuação das diferentes manifestações religiosas trazidas de África na Diáspora, resultado de um longo processo de ressignificação e transformação da memória coletiva africana no Brasil. Como espaço de memória, constituiu-se historicamente pela convivência entre diferentes etnias/povos africanos, sendo inevitavelmente sincretizada com cristãos, kardecistas ou indígenas, dando origem a outras religiosidades brasileiras, mas que mantém seu vínculo identitário com o continente-mãe. Os Terreiros, nascidos nos pátios das senzalas, quilombos e/ou interior de pequenos vilarejos/subúrbios, onde negros libertos, forros e fugidos viviam, foram os locais onde nossos anciões, memórias transgeracionais, estas Bibliotecas (nas palavras do Mestre Hampaté Bâ) se multiplicaram e passaram, de geração em geração, tudo o que suas memórias podiam guardar. As práticas tradicionais de matriz africana reafirmam a dimensão histórica, social e cultural dos territórios negros constituídos no Brasil dos quais a religiosidade e a religião – relação com o sagrado – são algumas de suas facetas, numa convivência constante entre vivos e mortos. Como espaço educativo, organizam-se coletivamente, em comunidade por afinidades culturais e de fé, em um sistema de alianças construído a partir de uma hierarquia iniciática, que estabelece vínculos de parentesco comunitários e ancestral entre seus membros. A cada rito de passagem, em tempos específicos, os membros daquela comunidade adquirem conhecimentos que se ampliam conforme o suas habilidades e preceitos. Suas práticas educativas se fundam na oralidade, no boca-ouvidos, no relato de si e dos outros, nas experiências que se iniciam na cozinha do barracão até os cuidados e responsabilidades no “Quarto de Santo”. A circularidade é um dos princípios organizativos, seja entorno do fogão da cozinha aprendendo cada alimento de cada Orixá, seja na organização da Roda dos Dançantes (médiuns ou “Cavalos de Santo”) ou nos diversos momentos de reuniões e aconselhamentos, onde as histórias dos que vieram antes de nós são contadas pelo ponto de vista dos excluídos. Os ensinamentos passados de geração em geração tem seu conteúdo histórico e cultural inerente a cada grupo social. São histórias, costumes e tradições, aquilo que aprendemos, da forma que a compreendemos e reelaboramos, acrescidos de nossas experiências e reinterpretações. História esta que não é imutável e impermeável em nossas memórias, e por isto os anciões, nossos líderes religiosos afro-brasileiros antigos (e atuais também) acreditavam que para quantos mais contassem, mais detalhes da mesma história poderiam permanecer intactos, pois cada vez que se juntassem para os devidos rituais, repetiriam as histórias e um complementaria as memórias do outro. Este processo de transmissão de conhecimentos, tradições e costumes de uma geração para outra era a busca de garantia de não deixar morrer sua história trazida do outro lado do Atlântico, sendo considerado como núcleo familiar destas Comunidades Tradicionais não apenas os parentescos consanguíneos como os religiosos também, pois o senso principal é o da Ancestralidade a partir da coletividade, é estar vivo na próxima geração para além da morte (PEREIRA, 2015). Quando falamos em ancestralidade negro-africana, nos referimos ao culto dos mortos, às gerações anteriores às nossas, em solo de África e no Brasil. É a memória viva referenciada àqueles que retornaram ao òrun (mundo dos espíritos), à massa de origem, depois de sua temporada de existência no àye (terra), sendo reverenciado e respeitado como Égún (espírito ancestral. É importante lembrar que, apesar da grande importância transgeracional nas famílias negras que se mantiveram cultural e/ou religiosamente ligadas às suas raízes afrobrasileiras, dentro das Comunidades de Terreiro (Candomblé, Batuque e até mesmo na Umbanda), nem todas as famílias negras permaneceram religiosamente afrocentrada, convertendo-se a outras fés. E, além disto, muitas Comunidades de Terreiros, a partir do século XX passaram a aceitar não-negros em suas Rodas religiosas, o que vêm incitando um debate sobre o “embranquecimento” do Povo de Terreiro, da perda de aspectos relevantes da tradição ancestral, da influência dos ritos cristãos e espíritas, entre outros debates bem atuais. E, de outro lado, a busca por uma “ponte” direta com África e seus rituais originários, como que na busca de uma fonte pura a se beber para retornar a um passado imagético ancestral. As Comunidades Tradicionais dos Povos de Terreiro, assim como as nossas Escolas, estão em busca de sua base histórica, que una as diversas epistemologias, metodologias, caracterizando-as e possibilitando que as conhecendo, diferenciemos seus aspectos míticos e essência ancestral espiritual abstrata que mais “funcionem” para cada grupo familiar religioso. Um longo debate, na compreensão e experiência de fé...
O espaço de Terreiro como espaço educativo
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DOI: 10.22533/at.ed.7592028058
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Palavras-chave: Comunidade de Terreiro; Educação; transgeracionalidade; afrocentricidade
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Keywords: Terreiro Community; Education; transgenerationality; Afrocentricity
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Abstract:
ABSTRACT: This work presents reflections on the Communities of Peoples of Terreiro as educational spaces, with specific learning, cultural and ritualistic, transgenerational and Afro-centered. The Traditional Communities of Terreiro Peoples are the spaces for the perpetuation of the different religious manifestations brought from Africa in the Diaspora, the result of a long process of reframing and transforming the collective African memory in Brazil. As a space of memory, it was historically constituted by the coexistence between different African ethnicities / peoples, being inevitably syncretized with Christians, Kardecists or Indians, giving rise to other Brazilian religions, but which maintains its identity link with the mother continent. The Terreiros, born in the patios of the slave quarters, quilombos and / or interior of small villages / suburbs, where freed blacks, liners and fugitives lived, were the places where our elders, transgenerational memories, these Libraries (in the words of Mestre Hampaté Bâ) they multiplied and passed on, from generation to generation, everything their memories could hold. Traditional African practices reaffirm the historical, social and cultural dimension of the black territories constituted in Brazil, of which religiosity and religion - the relationship with the sacred - are some of its facets, in a constant coexistence between the living and the dead. As an educational space, they are organized collectively, in community by cultural and faith affinities, in a system of alliances built from an initiatic hierarchy, which establishes ties of community and ancestral kinship among its members. At each rite of passage, at specific times, the members of that community acquire knowledge that expands according to their skills and precepts. Their educational practices are based on orality, mouth-to-ear, self-report and others, experiences that start in the kitchen of the shed up to the care and responsibilities in the “Quarto de Santo”. Circularity is one of the organizational principles, whether around the kitchen stove learning each food from each Orixá, whether in the organization of the Roda dos Dançantes (mediums or “Cavalos de Santo”) or in the various moments of meetings and counseling, where the stories of the who came before us are counted from the point of view of the excluded. The teachings passed from generation to generation have their historical and cultural content inherent to each social group. They are stories, customs and traditions, what we learn, the way we understand and rework it, plus our experiences and reinterpretations. This story is not immutable and impermeable in our memories, and for this reason the elders, our ancient (and current) Afro-Brazilian religious leaders believed that for those who told more, more details of the same story could remain intact, because each time if they got together for the proper rituals, they would repeat the stories and one would complement the other's memories. This process of transmitting knowledge, traditions and customs from one generation to another was the search for a guarantee of not letting its history die from the other side of the Atlantic, being considered as the family nucleus of these Traditional Communities, not only blood relatives but also religious ones , because the main sense is that of Ancestrality from the collectivity, it is to be alive in the next generation beyond death (PEREIRA, 2015). When we speak of black African ancestry, we refer to the cult of the dead, to generations before ours, on African soil and in Brazil. It is the living memory referenced to those who returned to the òrun (world of spirits), to the mass of origin, after their season of existence in the aye (earth), being revered and respected as Égún (ancestral spirit. It is important to remember that, despite the great transgenerational importance in black families that remained culturally and / or religiously linked to their Afro-Brazilian roots, within the Terreiro Communities (Candomblé, Batuque and even Umbanda), not all black families remained religiously afrocentric, converting to others In addition, many Terreiro Communities, from the twentieth century, began to accept non-blacks in their religious circles, which have incited a debate about the “whitening” of the Terreiro People, the loss of relevant aspects of ancestral tradition, the influence of Christian and spiritist rites, among other very current debates, and, on the other hand, the search for a direct “bridge” with Africa and its original rituals, as if in search of a pure source to drink to return to an ancestral imaginary past. The Traditional Communities of the Terreiro Peoples, as well as our Schools, are looking for their historical basis, which unites the different epistemologies, methodologies, characterizing them and allowing us to know them, differentiate their mythical aspects and abstract spiritual ancestral essence that most “Work” for each religious family group. A long debate, in the understanding and experience of faith ...
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Número de páginas: 13
- Patrícia da Silva Pereira