Duelo de olhares: o estranhamento aos "olhos de madeira" sob as lentes de Tolstói e de Dostoiévski
Viktor Chklóvski, crítico literário russo, atribui à experiência artística a capacidade de afastar as percepções automatizantes reproduzidas pelo hábito e pela linguagem cotidiana. Na medida em que a arte restitui ao objeto sua unicidade, na medida em que capta suas singularidades, ocultadas pelo véu do automatismo, provoca o estranhamento entre o que é observado e a ideia dele introjetada como familiar. À luz de Chklóvski, Carlo Ginzburg focaliza o estranhamento como procedimento literário usufruído por Tolstói: ante o reconhecido, seu olhar distante e circunspecto torna-o opaco e adventício, transpondo-o para a esfera da recriação. Assim, a literatura pode decodificar a lógica que enlaça o aparato jurídico ao imaginário social mediante a familiaridade de suas práticas. Essa potência manifesta-se quando a execução penal russa oitocentista é revisitada – e contestada – nos romances Escritos da casa morta, de Dostoiévski, e Ressurreição, de Tolstói. Sob esse ângulo, este trabalho busca compreender a maneira pela qual a tessitura do estranhamento ao aparato jurídico se dá em ambas as narrativas. Ante esta investigação, observa-se o germe de um duelo de olhares capaz de aguçar a catarse do direito – o renascimento de seus olhos de madeira.
Duelo de olhares: o estranhamento aos "olhos de madeira" sob as lentes de Tolstói e de Dostoiévski
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DOI: 10.22533/at.ed.19923160317
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Palavras-chave: Estranhamento; Execução penal; Fiódor Dostoiévski; Liev Tolstói; Olhos de madeira.
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Keywords: Criminal prosecution; Fiodor Dostoyevsky; Lev Tolstoy; Strangeness; Wooden eyes.
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Abstract:
Viktor Chklovsky, a Russian literary critic, attributes to the artistic experience the ability to drive away the automatizing perceptions reproduced by habit and everyday language. In the measure in which art restores to the object its uniqueness, in the measure in which it captures its singularities, hidden by the veil of automatism, it provokes strangeness between what is observed and the idea of it introjected as familiar. In the light of Chklovsky, Carlo Ginzburg focuses on strangeness as a literary procedure used by Tolstoy: faced with the recognized, his circumspect gaze turns it opaque and adventitious, transposing it to the sphere of recreation. Thus, literature can decode the logic that binds the legal apparatus to the social imaginary through the familiarity of its practices. This power manifests itself when the 19th century Russian criminal prosecution is revisited in the novels Notes from the Dead House, by Dostoyevsky, and Resurrection, by Tolstoy. This article seeks to understand the way in which the weaving of estrangement takes place in both narratives. From this investigation, it is observated a duel of visions capable of sharpening the catharsis of the juridical practice – the rebirth of its wooden eyes.
- Roberta Puccini Gontijo