Publicado em 25 de novembro de 2023.

Esta é uma obra de encontros. O primeiro - e o mais feliz - foi com o
brilhante Lemuel Gandara, artista plástico, cineasta, professor, doutor em
Literatura, colega de trabalho e amigo de vida. Nossa parceria iniciou-se há
sete anos. Durante esse tempo, nos conhecemos e nos reconhecemos como
artistas e como intelectuais dispostos a falar sobre nosso tempo, dispostos a
nos imiscuir em tantas fractalidades que nossas vivências nos possibilitam.
Foram inumeráveis conversas sobre arte, conhecimento, ciência, além de
compartilhamentos de sentimentos, traumas e conquistas. Assim, este livro é
uma ode à amizade, uma síntese de parte daquilo que nos tem unido.
Para além desse magnífico encontro, há outros. Nos entrecruzamentos
- ou melhor, nas encruzilhadas -, entre a Antropologia e a Arte, deixei-me levar,
deixei-me transformar. Permiti que as inquietações da pesquisa científica
pudessem encontrar vazão em expressões outras: livres em seus formatos,
inovadoras em seu alcance epistemológico e amplificadoras em seus discursos
e diálogos.
O projeto de pesquisa sobre Antropoceno - nova época geológica
decorrente das transformações antrópicas na Terra - e os conhecimentos e
vivências dos povos indígenas em torno dessa questão geraram uma série
de reflexões sobre os desdobramentos do que se convencionou chamar de
mudanças climáticas e o futuro das espécies do Sistema Terra. Pensadores
como Bruno Latour, Anna Tsing, Isabelle Stengers, Donna Haraway, Ailton
Krenak, Davi Kopenawa, Antonio Bispo dos Santos, Eduardo Viveiros de Castro,
Ursula Le Guin e Daniel Munduruku foram fundamentais para o aprofundamento
dessas questões; e me inspiraram a utilizar a literatura para falar daquilo que
muitas vezes não conseguimos sequer sonhar - um outro mundo possível. Aliás,
imaginar outros modos de existência que não passem pelo modelo econômico
desenvolvimentista e supressor de biomas é, para a grande maioria das
pessoas, uma tarefa impossível ou um simples retorno a um passado analógico.
Precisamos que essa tarefa seja possível. Precisamos construir juntos um futuro.
Foi pensando nessa necessidade de colocar o tema em debate, visível
e legível para o maior número de pessoas, que Lemuel e eu nos cadastramos
para exposição no Festival de Artes do Instituto Federal de Goiás, em 2023,
com a exposição Sobras do Mundo, que contava com cinco obras de Gandara
(Inação, Combustão, Cerrado Cósmico, Vínculos e Portal) e cinco contos meus
(Rastros, Limpeza, Parábola de Gaia, Comensais e Esperança). A alegria de
nos vermos juntos em um trabalho que nos motiva e instiga, aliado ao fato de
que acreditamos profundamente que a capacidade de sonhar e construir outros
mundos - e, principalmente, que esse fazer seja coletivo e inclusivo - nos fez
sonhar também com a publicação deste livro, que conta com, além das obras
da exposição, com mais quatorze novos trabalhos, sete pinturas e sete contos.
Este livro não traz respostas, obviamente. Antes, traz um chamado, um
apelo esperançoso por um recomeço.
Janaína Fernandes