Reforma da educação básica e o programa de ampliação do ensino fundamental de nove anos no município de Corumbá – MS
Publicado em 18 de julho de 2023.
Ter um posicionamento bem definido diante das realidades que surgem
parece essencial para determinar nossas ações durante a própria vida. Porém,
apesar de ser óbvia tal afirmação, não é nada simples, especialmente porque
tal posicionamento pressupõe uma série de condições proporcionadas ao
indivíduo e que devem preceder suas atitudes, pois cada indivíduo é resultado
de uma série de vivências que os tornam quem de fato é. Partindo daí, considero
importante contar aqui, mesmo que brevemente, um pouco da história da minha
vida para permitir ao leitor a compreensão sobre os caminhos que me trouxeram
a realizar a pesquisa aqui apresentada.
Minha história até os doze anos de idade foi escrita na coletividade de um
orfanato no interior do Paraná, de onde trago minha bagagem de lembranças,
nem sempre boas, mas nem todas ruins. O fato é que ser criada em uma
instituição para menores órfãos, não me permitiu saber quem era o que queria,
o que pensar ou esperar da vida.
Uma breve tentativa de retorno ao convívio familiar que durou dois anos
me fez entender que para conquistar um espaço – ainda que pequeno – seria
necessário abrir mão de qualquer movimento e/ou pensamento que fosse
contrário ao estabelecido em cada uma das três famílias por onde passei.
Aos catorze anos, insatisfeita com a trajetória escrita até o momento,
aceitei a decisão de trabalhar em casa de família, imaginando que assim poderia
conquistar a liberdade de pensar e agir, o direito de opinar em qualquer coisa
que fosse, o importante naquele momento era ter voz, ainda que fraca.
Na ocasião, acabei por conhecer as pessoas que por circunstâncias
da vida acabaram se tornando o que hoje conheço por família e que me
proporcionaram, a partir da adolescência, além de uma vida mais tranquila e
confortável em relação às condições materiais, a ampliação do meu histórico
escolar que até então era escasso, visto que aos dezesseis anos havia apenas
concluído a 5ª série do ensino fundamental.
Aos dezoito entrei em uma escola particular pela primeira vez para cursar
o segundo grau (ensino médio) e, apesar das dificuldades encontradas pelo
déficit de conhecimentos adquiridos até aquele momento, consegui compreender
a necessidade do estudo na vida de uma pessoa. Foi nesse período também
que comecei a perceber as diferenças de oportunidades entre as pessoas, as
diferenças de atenção recebida por estudantes de uma escola pública e privada,
especialmente em relação à garantia dos direitos de aprendizagens. Enfim, tive
aos dezoito a oportunidade de perceber as diferenças de classe nas quais a
sociedade está pautada e pude perceber o quanto tais diferenças acabam por
determinar a história de vida de cada indivíduo. Considero esse momento da
vida como um marco, pois, tive aí um início de compreensão sobre injustiça e
desigualdade social.
A vida seguiu e, entre o fim do ensino médio e início do ensino superior,
foram muitas vivências, muitas dúvidas, cursos iniciados e não concluídos
devido às dificuldades de diversas naturezas e, especialmente, muitos desvios
nos caminhos traçados, desvios esses que me trouxeram à Corumbá – MS,
em abril de 2003 e me fizeram optar pelo curso de pedagogia que iniciei em
2004. Confesso que ao iniciar o curso, pensava mais na necessidade de obter
um diploma e ter assim uma formação em nível superior, não pude mensurar
o quanto o curso e as pessoas com as quais convivi durante os quatro anos
de graduação mudariam minha vida. Na verdade, o contato com a Educação
e, especialmente com os professores e colegas da graduação, me oportunizou
a, além de adquirir os conhecimentos para o exercício da profissão, conhecer
a mim mesma, um diferencial que me fez rever a própria história e me colocar
como autora e não simplesmente expectadora da vida. Percebi nesses quatro
anos, por meio de atividades referentes ao curso – especialmente as atividades
relacionadas às pesquisas de iniciação científica e projetos que participei – mas
também nas discussões estabelecidas com os professores e colegas, que na
vida é necessário ir além de aceitar as determinações dadas, é necessário se
envolver, mudar a trajetória, buscar as determinações reais para compreender
as determinações aparentes. Aprendi e aprendo a cada dia a buscar a essência
antes de me encantar com a aparência das coisas.
Em 2007 concluí o curso de graduação em Pedagogia e imediatamente
entrei no mercado de trabalho na ansiedade de colocar em prática todo o
conhecimento adquirido durante os quatro anos anteriores. Naturalmente,
surgiram muitas dúvidas, principalmente em relação à alfabetização das
crianças do 1º ano do ensino fundamental, série que assumi logo no primeiro ano
de profissão, especialmente porque naquele mesmo ano ocorria a ampliação
do ensino fundamental de oito para nove anos, trazendo para a escola novas
questões que precisavam ser esclarecidas.
Na tentativa de sanar as dúvidas para a realização de um bom trabalho,
busquei informações com os colegas de trabalho indagando professores,
coordenadores, busquei apoio até mesmo nos antigos professores da graduação,
procurando soluções para uma prática pedagógica adequada. Nessa busca,
percebi que as dúvidas que me inquietavam a respeito das modificações no
processo de alfabetização, instituídas pela Lei nº 11.274/06 (BRASIL, 2006a)1
que entrava em vigor nas escolas do município de Corumbá – MS naquele
mesmo ano, não eram apenas minhas e que outros profissionais da área
também estavam pouco interados do assunto e pouco me ajudariam a pensar
uma prática que, além de atender às necessidades das crianças, atendesse
também às exigências da instituição escolar, da nova legislação em vigor e aos
anseios dos pais dos alunos, que nesse processo de mudança se apresentavam
com frequência na escola repletos de dúvidas em relação à educação dos filhos.
Através do site do Ministério da Educação (MEC), encontrei os documentos
que constituem o Programa de Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos,
elaborados pelo Governo Federal no intuito de subsidiar os profissionais da
educação nesse processo de mudança do ensino fundamental. Esses documentos
me trouxeram esclarecimentos de algumas questões, principalmente referentes
aos objetivos da ampliação, bem como os caminhos a seguir para construir
uma prática condizente com tais objetivos. Porém, me trouxeram outras tantas
dúvidas em relação às práticas orientadas pelos documentos e em relação às
responsabilidades de cada um dos agentes envolvidos no sistema de educação,
para que o Programa de Ampliação pudesse ser implantado e implementado2
com sucesso no país e para que realmente pudesse fazer diferença no processo
de aprendizagem das crianças incluídas nesse nível de ensino.
A necessidade de responder às minhas dúvidas, unida ao desejo de
embasar e melhorar minha prática pedagógica como professora alfabetizadora
suscitou o interesse em realizar a pesquisa aqui apresentada. Há quem possa
questionar que as indagações iniciais do estudo se referem somente às práticas
pedagógicas e que, portanto, o trabalho estaria ligado a uma linha de pesquisa
na área da formação de educadores. Porém, apesar de admitir que minhas
preocupações iniciais originaram-se do trabalho cotidiano realizado no pátio
escolar, penso ser uma questão ainda maior, posto que as mudanças que
ocorrem na escola nesse momento são resultados de uma proposta de mudança
nas políticas públicas educacionais do país, necessitando, portanto, ser refletida
no contexto nacional e até internacional, pois a ampliação desse nível de ensino
não se apresenta de forma isolada, mas faz parte de uma agenda de reformas
da educação básica que na década de 1990 busca a conformidade com as
diretrizes dos Organismos Internacionais.
Sendo assim, no momento em que foi inicialmente problematizado,
considerando a complexidade do tema e que somente os questionamentos
no âmbito escolar não trariam as respostas almejadas, percebi que o trabalho
deveria ser inserido na linha de pesquisa: Políticas, Práticas Institucionais e
Inclusão/Exclusão Social do Programa de Pós Graduação em Educação, em
nível de Mestrado do Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (CPAN/UFMS).
1. A Lei n 11.274/06 modifica o Ensino Fundamental, que passa a ter duração de nove anos e a idade
obrigatória para a matrícula das crianças no 1º ano passa a ser de seis anos, na busca de assegurar a
todas as crianças um tempo maior de escolarização e aumentar suas oportunidades de aprendizagens.
Essa lei será melhor explorada durante o desenvolvimento da pesquisa por ser a base do Programa de
Ampliação do Ensino Fundamental de Oito para Nove anos que se apresenta como objeto deste estudo.
2. O termo “implantação” refere-se à fase da formação de uma política, o momento em que as propostas
se constituem em política propriamente dita. Já o termo “implementação” refere-se ao momento em que
a política se transforma em programa e são criadas as condições para que se efetive. No capítulo II a
diferença entre os dois termos será melhor explicitada.
Reforma da educação básica e o programa de ampliação do ensino fundamental de nove anos no município de Corumbá – MS
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DOI: 10.22533/at.ed.708231807
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ISBN: 978-65-258-1670-8
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Palavras-chave: 1. Ensino fundamental. 2. Educação básica. I. Jobbins, Edith Fany. II. Título.
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Ano: 2023
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Número de páginas: 152