Na janela do aguardo: a realidade de adolescentes acolhidas institucionalmente
Publicado em 03 de maio de 2024.
Prefaciar e ler este tema nos remete a uma inundação de sensações – o que digo é para que você leitor entenda o que tem em mãos nesse momento. Foi de grande honra e inspiração aceitar o convite de escrever este prefácio, mas é fato que o tema traz consigo desafios, imersos em complexidade e angústias. Esse livro trata-se de pesquisas que surgem da implicação, da consternação e da percepção do caos social. Como bem diz Cecconello e Koller (2004, p. 48), nosso desafio enquanto pesquisadores deste tempo é “desenvolver delineamentos de pesquisa apropriados para investigar os efeitos do caos atualmente vivenciado pelas sociedades e identificar fatores que possam minimizar seus efeitos”. De modo corajoso e potente, as autoras Galoni e Ribas tecem reflexões sobre o caos social da violência, das lacunas intencionais das políticas públicas na defesa e cuidado de adolescentes acolhidas institucionalmente, e constroem, com delicadeza, possíveis caminhos para se pensar em como reduzir os danos causados na vida dessas jovens meninas em longos períodos de institucionalização e seus desligamentos.
Ainda durante os primeiros passos da prática clínica, Luana Galoni, Grazi Ribas (as referidas autoras desse texto brilhante e intenso) e eu, nos deparamos com a angústia de adolescentes acolhidas institucionalmente por longas datas, completando maioridade em Casas de Acolhimento, sem perspectivas ou plano de ação. Vimos estas Casas unindo as poucas forças e estruturas que tinham para formular uma saída. Vimos pouca rede de apoio, em níveis macro sistêmicos ou até mesmo capilares. É diante desses atravessamentos, dessas escutas clínicas, de idas a audiências concentradas, estudos de caso e pesquisas, que nasce a reflexão desse livro: “Na janela do aguardo: a realidade de adolescentes acolhidas institucionalmente”; tecendo ainda reflexões sobre autonomia – tão discutida entre teóricos e profissionais que atuam com a adolescência, mas por vezes não trabalhada no contexto de acolhimento institucional.
O livro traz a dura realidade do acolhimento institucional brasileiro, e fala desde o início da nossa história e até os dias atuais, de um recorte racial, de gênero e de sexualidade. Com a vívida constatação de que o alcance de direito básicos não chega para alguns, que o olhar de cuidado e proteção não chega naturalmente para tantas meninas pretas e LGBTQIAPN+ enxergadas aqui neste livro. As autoras revivem então a história do acolhimento em nosso território, marcada pela exclusão de crianças e adolescentes pretos e pobres. O livro surge 34 anos após a formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) e é capaz de nos fazer refletir sobre avanços e conquistas na política de proteção integral, nos ganhos em políticas públicas e caminhos de proteção que passaram a ser delineados, mas também escancara as falhas ainda não ultrapassadas.
O texto traz as narrativas de adolescentes institucionalizadas por tempo indeterminado, com o contexto social, emocional e ecológico sendo tecido nesse ambiente. As autoras costuraram múltiplas pesquisas com meninas em acolhimento institucional na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, considerando seus contextos, a partir da teoria bioecológica do desenvolvimento humano, com discussões a partir de dados do Plano Individual de Atendimento (PIA) das adolescentes e falas destas e de profissionais atuantes na área. Partem ainda de um recorte importante: as pesquisas aqui delineadas foram perpassadas pela pandemia da Covid-19 e, com muito fôlego e sensibilidade, as autoras puderam recriar as pesquisas e manter uma escuta significativa para as meninas em sua realidade institucional e pandêmica.
A discussão central perpassa a ideia do que significa, simbólica, emocional e diretamente, um desligamento institucional por maioridade, desaparecendo do espaço em que se cresceu e partindo para um desconhecido que pode ter pouco sentido de chão, de segurança. As autoras enfim nos provocam a pensar em formas funcionais e menos danosas possíveis para que ocorra o processo de desligamento, considerando sua autonomia para a vida adulta, o fortalecimento das interações entre seus microssistemas, além de, notoriamente, considerar a efetivação da proteção em níveis macro sistêmicos, de projetos de leis e visões culturais e sociais. O texto mostra rascunhos, projetos e intervenções realizados dentro do espaço institucional, com projetos de vida e tentativas de desenvolvimento de autonomia, seja por parte da equipe técnica, ou a partir de projetos construídos, como o Candeia.
Desejo a você, leitor, uma leitura cautelosa, silenciosa, reflexiva, dura. Mas não só. Uma leitura que possa construir olhar sensível, possibilidades e caminhos de proteção, autonomia e projetos de vida seguras para as adolescentes, compreendendo que, para se pensar em autonomia, é preciso considerar vínculos seguros e ambientes protetivos. E esses dois fatores precisam caminhar juntos com as adolescentes em suas saídas do acolhimento institucional, por mais desafiador que seja colocar esses elementos em prática – em uma dança que funcione para a vida dessas adolescentes. Que esse livro te inspire a observar as potências do trabalho da autonomia no cuidado de adolescentes em acolhimento e desligamento institucional.
Gabriella Ramalho Batista, psicóloga e mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisadora de violência contra crianças e adolescentes e psicóloga clínica.
Na janela do aguardo: a realidade de adolescentes acolhidas institucionalmente
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DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.874240305
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ISBN: 978-65-258-2387-4
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Palavras-chave: 1. Adolescência. I. Galoni, Luana. II. Ribas, Grazielly. III. Título.
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Ano: 2024
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Número de páginas: 103