O imanente como território acessível e inclusivo para ensinar e aprender frações no ensino de matemática

O livro “Jornada das Frações com as Mãos” é um belo e necessário convite às e aos docentes do ensino de matemática a (re)significarem o ensino de frações, fazendo uso das ‘barras de Cuisenaire’. O livro apresenta processos educativos por meio da adoção de práticas acessíveis, alinhadas à valorização da diversidade e à promoção da equidade.
Com um estilo de escrita ensaístico, trata-se de um convite ao uso de metodologias a partir do uso de material concreto para o ensino e a aprendizagem de frações com foco em estudantes cegos, que, também se aplica amplamente aos estudantes videntes. É uma metodologia que, de maneira quali􀏐icada, se afasta da antiga tradição ainda presente no ensino de matemática, de fazer uso excessivo e precoce da abstração. Afastando-se dessa tradição, a presente proposta metodológica de ensino e aprendizagem, resultante de trabalho de pesquisa em nível de mestrado, propõe uma experiência empírico-sensorial em dimensão tátil.
A pesquisa, agora disponibilizada para um público mais amplo por meio desta publicação em formato de livro, opera experiências sensoriais que favorecem não apenas práticas de ensino e de aprendizagem acessíveis e inclusivas para estudantes cegos, mas, sobretudo, delineia um processo formativo para docentes promoverem uma educação matemática inclusiva, acessível, concreta e humanizada.

Às pessoas leitoras deste livro será apresentada uma escrita dialógica entrelaçada e consistentemente fundamentada teoricamente. Em outras palavras, estamos diante de um texto imerso na práxis pedagógica e acadêmica de suas autoras e autor. Essas são algumas das qualidades e contribuições perceptíveis neste livro, assinado pelas pesquisadoras Daniele Zeni Serafini Mafioletti e Maria Alice Veiga Ferreira de Souza, e pelo pesquisador Arthur Belford Powell.
São múltiplas as camadas teóricas e metodológicas tecidas nesta obra. Mafioletti, Souza e Powell, nesta “Jornada das Frações com as Mãos”, nos oferecem, de forma lúdica, processual e concreta, uma rica descrição metodológica das práticas. Por vezes, temos a sensação de que estão presencialmente nos narrando e conduzindo por esta maravilhosa jornada sensorial, ancorada na experiência empírica e na sensibilidade tátil, articulada também ao raciocínio e à linguagem simbólica.
A relevância desta obra se evidencia à medida que é notório o lugar de destaque que a matemática ocupa em todos os processos de escolarização do mundo, sendo comuns os debates entre a matemática empírico-concreta e a matemática teórico-abstrata. Nesse debate, na esteira do pensamento d’ Ambrosio, entendemos a matemática como um conjunto de habilidades e práticas na busca de explicar e compreender o mundo que nos cerca, sendo múltiplas tanto as técnicas quanto os enfoques cognitivos existentes.
Em “Jornada das Frações com as Mãos”, as autoras e o autor integram o que antes se apresentava fragmentado em teoria e prática, em abstrato e concreto, superando o paradigma do ensino tradicional de matemática, marcado por uma busca incessante de abstração e distanciamento da realidade imanente-sensível. Aqui reside uma das camadas desta obra, que, com sutileza, enuncia e nos faz cultivar outros elementos ao lado da abstração matemática, revelando o quanto a sensibilidade orienta a produção do conhecimento humano; elegendo o imanente – onde acontece o real - como território do pensamento!
A práxis abrigada na proposta metodológica aqui apresentada, ao enfrentar um dos desa􀏐ios da educação matemática - o ensino e aprendizagem de frações –, pauta-se mais na participação do que na observação, mais na corporeidade e menos abstração. Trata-se de uma práxis que incorpora à razão as sensações que nos fazem humanos, oferecendo-nos processos dialógicos entre o concreto e o abstrato, entre a matemática empírica e a matemática dedutiva.

Recuperando as dimensões do sensorial e a partir delas, “Jornada das Frações com as Mãos” produz e nos oferece generosamente um belo e necessário texto matemático, explorando situações experienciáveis, atribuindo concretude aos signos abstratos e significados aos sinais simbólicos.

Gustavo Forde
Professor da Universidade Federal do Espírito Santo, doutor em
Educação e pesquisador na área Estudos Afro-Brasileiros em
Educação, com interesse especial nos campos da História da
Educação e do Ensino de M atemática.