HETEROIDENTIFICAÇÃO & DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS
Entretanto, no nosso caso, as ações afirmativas foram pautadas e inseridas na agenda pública por força das mobilizações empreendidas pelo Movimento Social Negro muito antes de Durban. Representa a concretização disso o Projeto de Lei nº 1.332/1983, apresentado pelo ativista e então deputado federal Abdias Nascimento, que dispunha “sobre ação compensatória, visando à implementação do princípio da isonomia social do negro, em relação aos demais segmentos étnicos da população brasileira” (Brasil, 1983).
A tese da professora Filomena focaliza a heteroidentificação como mecanismo de controle ao acesso às vagas reservadas para negros (pretos e pardos) nos cursos de graduação em universidades públicas. A heteroidentificação é um dos métodos de identificação étnico-racial adotados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Método este que reflete o ponto de vista de terceiros em relação ao pertencimento étnico-racial de uma determinada pessoa. Aplicado às cotas raciais, objetiva validar ou não a autodeclaração prestada pelo candidato ao certame.
Mobilizada por essas perguntas e pela necessidade de avaliar a implementação da sustentabilidade nas dimensões registradas na Agenda 2030 (social, econômica, ambiental e institucional), coordenei esforços, a fim de que essa verificação conduzisse à identificação de estratégias voltadas à consolidação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável também no campo das políticas afirmativas, por meio dos processos de heteroidentificação, regidos pela Lei Federal de Cotas, desde 2012.
Para tanto, dediquei-me à observação das comissões de heteroidentificação presentes nas universidades públicas brasileiras, para que fosse possível — por meio do acompanhamento das suas rotinas aferidas a partir de entrevistas com os presidentes/responsáveis por tais organismos — avaliar a conjuntura em foco. Entretanto, como membro de uma dessas comissões de heteroidentificação, já percebia a restrição estrutural de seus limites, considerando, em primeira instância, seu objetivo de origem concentrado no cumprimento do ritual de organização, realização, acompanhamento, efetivação, registro e publicação dos resultados das bancas de heteroidentificação, objetivo esse comum a todas as IES no Brasil.
Tal fato significa que, a priori, o acompanhamento dos cotistas, ao longo da sua trajetória na universidade, não acontece, porque não faz parte do objetivo geral das comissões de heteroidentificação. Assim sendo, essa realidade impacta negativamente o estabelecimento de um processo sustentável na implementação do sistema de heteroidentificação na Academia brasileira. Portanto, a hipótese em destaque baseia-se na suspeita de que, apesar de as comissões favorecerem a entrada dos cotistas, não tem sido possível avaliar as condições de permanência desses estudantes e muito menos as evidências de evasão, sacrificando, assim, a consolidação de uma estrutura sustentável.
Foi esse cenário preocupante que determinou a urgência desta pesquisa. Diante de tal impasse, entendo que se torna fundamental e necessária a criação de instâncias superiores à comissão, que possam pensar criticamente a desafiadora chegada dos cotistas às IES no Brasil. Isso significa que o desenvolvimento sustentável em plenitude
se caracteriza por um ecossistema orgânico de acolhimento no campo das políticas afirmativas, para que seja consolidada, de fato e de direito, a luta contra o racismo institucional na Academia brasileira.
É importante ressaltar que este trabalho teve sua origem na tese de pós-doutoramento por mim desenvolvida de agosto/2023 a fevereiro/2025. O referido projeto foi submetido ao Diversitas — Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos, Programa de Pós-Graduação Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades —, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), sob a supervisão da Profa. Dra. Gislene Aparecida dos Santos, da Escola de Artes e Ciências Humanas (EACH), da Universidade de São Paulo (USP).
1 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Disponível em https://periodicos.
ufpa.br/index.php/pnaea/article/view/16818. Acesso em: 1 de maio de 2025.
HETEROIDENTIFICAÇÃO & DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS
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DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.515250309
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ISBN: 978-65-258-3651-5
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Palavras-chave: 1. Universidades públicas. I. Bomfim, Filomena Maria Avelina. II. Título.
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Ano: 2025
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Número de páginas: 153