Expedição Piracicaba: Pela vida do rio
Publicado em 08 de junho de 2023.
Vivemos hoje no mundo globalizado, das inovações tecnológicas, da disseminação rápida das informações e das mudanças sociais. Por outro lado, estamos alterando o clima do planeta e vivenciamos a maior crise sanitária da história da humanidade, COVID19. Porém, a pandemia também nos permitiu reflexões e aprendizados. Fomos forçados a pensar em nós e no meio ambiente, quem somos e em que vivemos e a lembrar das íntimas relações entre este meio ambiente e nosso bem estar físico, mental e social.
Ao falar da saúde das pessoas, lembramos da qualidade das águas e da saúde de nossos rios, fontes maiores do abastecimento humano no nosso país. Aqui, cabe lembrar a importância do Rio Piracicaba, cuja bacia hidrográfica abriga grandes projetos de mineração, o maior complexo siderúrgico da América Latina, e que é cortada em quase toda sua extensão pela EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas).
O Rio Piracicaba não é só uma testemunha viva da história da região: dele dependem mais de 1 milhão de habitantes e também milhares de empreendimentos industriais e comercias. Por isto, é importante ressaltar o papel vital deste personagem para o nosso desenvolvimento econômico e social: desde suas nascentes, na região do Caraça até sua foz no Rio Doce, o Piracicaba fornece a água para o abastecimento humano, produção industrial e da agropecuária, diluição dos esgotos domésticos, geração de eletricidade, etc.
Portanto, não devemos enxergar este rio apenas como um elemento físico; ele é um elo de integração econômica, social, ambiental e cultural. Ele faz a ligação entre regiões, pessoas e atividades econômicas num sistema integrado e interativo, abrangendo águas, solos, vegetação, atmosfera e os seres vivos, entre eles, nós, os humanos.
Estamos aqui falando do Rio de nossa terra. Eu nasci em Nova Era e vivi às margens do Piracicaba até os meus 14 anos. Ali, convivi com o barulho, a energia, beleza e a poesia de suas águas, mas sobretudo aprendi a respeitá-lo. Como bem descreveu Friedmann,(1992) “A afetividade ao território onde vivemos é um dos mais importantes vínculos do ser humano. O território liga o presente ao passado, com uma base de memórias comuns e também ao futuro com um destino comum”.
Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), os principais instrumentos no processo de mudanças do cenário socioambiental numa região são além da vontade política e o planejamento por parte dos órgãos públicos, a educação, a tecnologia e a participação das comunidades que ali vivem e trabalham. Porém, para mudar é preciso, primeiro, conhecer a realidade daquele território.
Em 1999, realizamos o trabalho pioneiro da Expedição Piracicaba 300 anos depois, que se consolidou como uma importante metodologia de trabalho interdisciplinar e interativo para a avaliação da realidade socioambiental da região. Seu principal desdobramento foi a formação do Comitê da Bacia do Piracicaba.
No nosso livro-relatório, de 1999, na página 153, fizemos um alerta: “O que se espera é que a empresa moderna, mais madura, com uma visão integrada do futuro vai fazer da responsabilidade social e da preservação ambiental uma estratégia. Para isto, é preciso internalizar práticas socialmente responsáveis, optando por uma postura ética nas relações com seus empregados, clientes, fornecedores, acionistas, órgãos governamentais e principalmente com as comunidades locais da região onde se instalaram.
É fundamental entender na Bacia do Rio Piracicaba que o meio ambiente é a base do desenvolvimento e não um objetivo isolado, descartável. Cuidar do meio ambiente é uma questão de sobrevivência, é uma questão de engenharia, de economia e não apenas de poesia”.
Vemos hoje que houve avanços meritórios na gestão ambiental do setor industrial da região. Entretanto, o setor da mineração de grande porte, apesar de seu poderio econômico, tecnológico e político, continua cometendo os mesmos erros por nós observados em 1999. As duas tragédias socioeconômicas e ambientais, que causaram a morte de 300 pessoas, mostraram que a abordagem puramente financeira dos recursos naturais da grande mineração continua firme e está alicerçada na certeza da impunidade.
Vale lembrar que ainda existem dezenas de barragens de rejeitos “antigas” na bacia do Piracicaba, o que significa que o meio ambiente e as pessoas continuam em risco. Infelizmente, a prevenção não vale mais, agora só oferecem reparação e com riscos.
Em 2019, foi realizada a “Expedição Piracicaba- Pela Vida do Rio” cujo objetivo maior foi mobilizar toda população da região em prol da revitalização dos cursos d´água daquela bacia hidrográfica. Embora vários problemas constatados em 1999 continuassem existindo em 2019, é imperativo dizer que essas duas Expedições tornaram-se marcos da história ambiental da região.
A Expedição “Pela Vida do Rio” apresenta agora os resultados de uma extensa pesquisa realizada em 2019, por meio de uma publicação que nos facilita a compreensão da realidade e nos convida a refletir e agir, já que agora temos em mãos este valioso documento/ajuntamento de saberes acadêmicos e populares.
Portanto, o livro que se vai ler, e principalmente pesquisar, merece o reconhecimento pela riqueza de seus conteúdos, como também pela “escuta” realizada num trabalho coletivo imenso. Um trabalho de qualidade, de fôlego, que traduz a seriedade do projeto e a responsabilidade dos envolvidos, sua coordenação e suas parcerias. Esta publicação é um registro detalhado da realidade de uma região que merece e precisa ser divulgada.
A Expedição “Pela Vida do Rio” desceu o rio com os olhares atentos e faz agora a entrega dos resultados dos trabalhos técnico-científicos realizados, que estão concentrados em 13 capítulos, muito bem ilustrados por dezenas de fotos, imagens, mapas, tabelas. Alguns temas são novidades interessantes como é o caso dos capítulos sobre as águas subterrâneas, os micro-contaminantes, as análises geo-espaciais e o diário de bordo.
Os objetivos da segunda etapa da Expedição “Pela Vida do Rio” são tão importantes quanto aqueles da primeira etapa: informar, sensibilizar, e disseminar conhecimentos sobre o Meio Ambiente da bacia e repassá-los à sociedade regional. Este é um trabalho nobre: a partir de sua distribuição aos diferentes segmentos da bacia teremos a democratização das informações, tão importantes como alicerces no longo processo de mudanças socioambientais.
Concluindo, vemos que a Expedição “Pela Vida do Rio” mostrou, na prática, que a preservação ambiental e exercício da cidadania (incluída aqui a ciência cidadã) devem caminhar juntas. Defender nosso meio ambiente e o Rio não é tarefa só de governos, mas de toda a sociedade. As duas Expedições Ambientais são uma afirmação de um compromisso com as próximas gerações da região. O futuro vai ter a cara do que for feito agora. Quem viver, verá.
Eng. Claudio Bueno Guerra
Coordenador Técnico da Expedição Piracicaba 300 anos depois (1999)
Cidadão novaerense e timotense
Expedição Piracicaba: Pela vida do rio
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DOI: 10.22533/at.ed.483233005
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ISBN: 978-65-258-1448-3
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Palavras-chave: 1. Piracicaba - SP. 2. Hidrografia. 3. Meio ambiente. I. Gonçalves, Geraldo Magela (Organizador). II. Título.
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Ano: 2023
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Número de páginas: 249