Entre palavras e práticas: vivências literárias, leitoras e linguísticas
Este livro é resultante de produções de pesquisadores integrantes do Grupo de Pesquisa em Linguagem, Literatura e Educação (GPLLE), cadastrado no CNPq e vinculado ao Instituto Federal de São Paulo, campus de Campos do Jordão. Os autores que aqui contribuem pesquisam em diferentes linhas teórico-metodológicas, mas mantêm diálogo que os conecta a partir do interesse pelas questões de linguagem no âmbito da Educação ou do Ensino. Nesse sentido, todos os capítulos desta obra formam uma unidade na medida em que a linguagem se torna espaço de reflexão: da formação acadêmica (do aluno, do professor, dos sujeitos), das práticas docentes, da transformação social, dos aspectos culturais, das relações eu-outro. Para efeitos de coesão discursiva, organizamos as produções em três Seções, cada uma delas com dois artigos que dialogam mais intimamente entre si.
A Seção 1, Vivências em Literatura: formação, identidade e ensino, apresenta dois capítulos: Literatura Infantil: Identidade, Emoção e Interculturalidade em Foco, com autoria de Karin Claudia Nin Brauer e Cinthia Yuri Galelli; e, Geografias do Desmanche: Exílio e a Implosão do Lugar na Obra de José Agrippino de Paula, do autor Rafael Ottati.
O capítulo intitulado Literatura Infantil: Identidade, Emoção e Interculturalidade em Foco apresenta uma reflexão sobre o papel da literatura infantil na formação humana, articulando perspectivas da Complexidade (Morin, 2005, 2011) e da Transdisciplinaridade (Nicolescu, 1999) para compreender como as narrativas voltadas à infância contribuem para o desenvolvimento identitário, emocional e intercultural das crianças. Partindo de autores como Morin (2005, 2011), Nicolescu (1999), Freire (1968, 1981, 2019), Zilberman (2003), Soares (2004) e Ribeiro (2019a, 2019b), o texto discute a leitura literária como prática sensível, crítica e cultural, capaz de religar saberes, estimular a imaginação, promover a empatia e desenvolver a consciência da diversidade. Ao analisar como histórias infantis ampliam repertórios simbólicos, questionam estereótipos e favorecem processos de autonomia, o capítulo fundamenta a compreensão da literatura como espaço de construção de sentidos e humanização, preparando o leitor para as discussões teóricas e reflexivas que sustentam a análise da obra Chapeuzinho Preto, ou da cor que quiser, de Carmen Martins.
O capítulo Geografias do desmanche: exílio e a implosão do lugar na obra de José Agrippino de Paula investiga, a partir do conto “Roteiro de viagem do diário oficial das drogas do ocidente”, como a experiência do exílio, somada ao uso de substâncias psicoativas, produz no narrador uma percepção fragmentada, dilatada e sensorialmente alterada do espaço e do tempo, gerando uma profunda fusão entre corpo, ambiente e cultura estrangeira. Analisando a escrita elíptica, o embaralhamento temporal, a perda momentânea do “eu” e a antropomorfização da paisagem, o capítulo demonstra que Agrippino constrói uma poética do desmanche, em que o contato com o outro (crianças, habitantes locais, parceiros de viagem) revela a tentativa de pertencimento ao novo território e o peso da saudade, da vulnerabilidade e das tensões do exílio político e artístico nos anos 1970. Ao articular essas dimensões com referências culturais, cinematográficas e mitológicas, o estudo evidencia como a obra agrippineana do período transcende o relato de drogas e alcança uma reflexão complexa sobre deslocamento, identidade, tradução cultural e recomposição sensorial do mundo.
Da Seção 2, Vivência leitoras e em leitura: experiências, olhares e questionamentos, fazem parte dois ricos capítulos: Visível e Invisível de pessoas pretas na Escola, perspectivas e inquietações, de autoria de Priscili Silva de Moura, e O Trabalho de Interpretação de Textos e Ideias: Elementos Implícitos, Modificação Evidente, de autoria de Valmir Luis Saldanha da Silva. Ambos os capítulos, por meio do relato de experiências, observações críticas sobre trajetórias formativas e questionamentos acerca das produções de sentidos, fomentam reflexões urgentes e necessárias para a leitura do mundo.
Em Visível e Invisível de pessoas pretas na Escola, perspectivas e inquietações, os leitores e as leitoras poderão experimentar uma linguagem criativa e tocante, atravessada pela subjetividade da autora, Priscili Silva de Moura, que, ao refletir sobre seu processo formativo como professora de Artes, compartilha conosco a coragem de olhar para si e se colocar em constante posição crítica na prática de seu trabalho docente. Nesse processo de reflexão tão potente, a pesquisadora faz importantes denúncias sobre o ensino tradicional, eurocentrado, que apaga experiências e silencia histórias, reproduzindo o racismo que constitui a sociedade brasileira. É uma educação, segundo a autora, que não considera as identidades subalternizadas e que não apresenta artistas negros, produções afrocentradas, enfim, invisibiliza a cultura negra ancestral, rica, que faz parte de quem somos enquanto povo brasileiro. Priscili Silva de Moura, mulher negra, professora, pesquisadora, narra seu processo de conscientização da condição histórica de si e de seus ancestrais, pontuando momentos e situações que contribuíram para esse processo. Assim, ela nos afeta e nos coloca também em movimento (auto)crítico, em um pressuposto e inevitável convite ao posicionamento antirracista em sala de aula.
Já no segundo capítulo da Seção 2, O Trabalho de Interpretação de Textos e Ideias: Elementos Implícitos, Modificação Evidente, Valmir Luis Saldanha da Silva inicia seu texto com uma instigante pergunta: “Qual é a cor dessa chuteira?”, a partir da qual ele tece reflexões sobre a percepção dos objetos e, consequentemente, a compreensão deles e de situações que os envolvem. Segundo a fundamentação teórica na qual o autor se ancora, a percepção que os sujeitos fazem do mundo nunca é a mesma e é afetada por muitos fatores, como os componentes socioculturais. Dessa forma, a simples cor de uma chuteira pode ser alvo de divergências e ocasionar complicadas consequências. Em um tom prosaico, leve e instigante, o pesquisador Saldanha explica como ocorre o processamento das informações pelos leitores e os vieses que podem interferir em uma tomada de decisão, o que, consequentemente, influencia na capacidade e na maneira de compreender textos e fatos. O autor oferece muitos exemplos interessantes que tornam sua escrita muito acessível e prazerosa, mas não se esquiva de fazer contundentes comentários sobre a produção de sentidos racistas e mesmo sobre práticas sociais que reproduzem discursos preconceituosos, excludentes e violentos.
A Seção 3, Vivências de ensino de línguas: letramento, interculturalidade e alteridade, é constituída pelos capítulos: Língua Portuguesa no ensino superior: contribuições para a formação de professores de matemática, de autoria de Carolina Moya Fiorelli; e A Investigação de Diálogos Críticos na Aula de Inglês: Enfrentando Conflitos, Desigualdades Sociais e Questões de Poder por meio de Filmes e Leitura de Quadrinho, sob autoria de Roberta Barros da Fonseca.
O capítulo Língua Portuguesa no ensino superior: contribuições para a formação de professores de matemática discute como a disciplina de Língua Portuguesa (LP) pode desempenhar um papel formativo relevante na licenciatura em Matemática, articulando competências linguísticas, acadêmicas e cidadãs. A autora apresenta uma experiência docente desenvolvida em um Instituto Federal, na qual o ensino de leitura e produção de textos foi integrado a debates sobre imigração no Brasil e às demandas reais da prática docente, considerando que futuros professores enfrentarão salas de aula cada vez mais diversas culturalmente. Por meio do trabalho com gêneros acadêmicos, reflexões sociolinguísticas, análise crítica de discursos e atividades que aproximam língua, sociedade e ensino de matemática, o capítulo demonstra que a LP, quando compreendida como prática social e formativa, contribui para o desenvolvimento crítico, pedagógico e profissional dos licenciandos, ampliando sua preparação para atuar em contextos plurais e desafiadores.
A Investigação de Diálogos Críticos na Aula de Inglês: Enfrentando Conflitos, Desigualdades Sociais e Questões de Poder por Meio de Filmes e Leitura de Quadrinho apresenta um recorte de uma pesquisa de doutorado que explora como atividades baseadas em filmes, quadrinhos e outros textos multimodais podem fomentar práticas de letramento crítico e visual na sala de aula de inglês do Ensino Médio. Partindo de referenciais como Freire e autores dos estudos culturais, da pedagogia dos multiletramentos e da Linguística Aplicada Crítica, a autora investiga como estudantes interpretam diálogos de conflito, desigualdades sociais e relações de poder presentes nas obras analisadas, conectando essas tensões ao contexto local. O capítulo descreve o percurso metodológico da pesquisa-ação colaborativa, o planejamento das atividades e os processos de conhecimento envolvidos, mostrando como a abordagem possibilitou a participação ativa dos estudantes, a problematização de identidades e diferenças e a construção de novos sentidos sobre suas experiências sociais por meio da linguagem.
Esperamos que os leitores e as leitoras que venham a mergulhar nesta obra possam se sentir provocados, por meio de cada capítulo, a buscarem ricas vivências em língua, literatura e linguística. Bom percurso!
Karin Claudia Nin Brauer
Viviane Dinês de Oliveira Ribeiro Bartho
Entre palavras e práticas: vivências literárias, leitoras e linguísticas
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DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.646251812
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ISBN: 978-65-258-3964-6
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Palavras-chave: 1. Linguística e línguas. I. Brauer, Karin Claudia Nin (Organizadora). II. Bartho, Viviane Dinês de Oliveira Ribeiro (Organizadora). III. Título.
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Ano: 2025
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Número de páginas: 122
Artigos
- Literatura Infantil: Identidade, Emoção e Interculturalidade em Foco
- Geografias do Desmanche: Exílio e a Implosão do Lugar na Obra de José Agrippino de Paula
- Visível e Invisível de pessoas pretas na Escola, perspectivas e inquietações
- O Trabalho de Interpretação de Textos e Ideias: Elementos Implícitos, Modificação Evidente
- Língua Portuguesa no ensino superior: contribuições para a formação de professores de matemática
- A Investigação de Diálogos Críticos na Aula de Inglês: Enfrentando Conflitos, Desigualdades Sociais e Questões de Poder por Meio de Filmes e Leitura de Quadrinho