EM ESTOQUE.

A História do Brasil ensinada nas escolas, via de regra, não gera aprendizado. Os alunos gostam de História, mas não incorporam os conteúdos dessa matéria ao seu cotidiano. Quando questionados sobre um fato ou um período, é comum os alunos e as alunas responderem: “lembro de alguma coisa, mas não sei falar sobre isso. ”
Trabalho com o ensino de História há 30 anos e aprendi que o que gera conhecimento é densidade e coerência no que é dito. Um assunto é passível de ser aprendido se o professor narra a história com o conjunto de elementos capazes de fazer o aluno imaginar o que se narra e o padrão de coerência que permite ao aluno entender por que se narra essa história.
Mestre na arte de narrar, além de pesquisador paciente e rigoroso, o professor Renato Mocellin conseguiu, nesta obra, gerar aprendizado sobre este espinhoso tema, a Revolução Federalista. Espinhoso porque Mocellin não se intimidou com todas as pontas soltas da história, nem com as versões oficiais que estabeleceram “verdades” sobre personagens e episódios. O mestre Mocellin foi para as fontes, restabeleceu a linha da narrativa, a posição dos protagonistas, o enredo e os diversos olhares que construíram essa história ao longo do século XX.
O resultado é empolgante e, ao mesmo tempo, perturbador. Por meio do livro do professor Mocellin, percebemos o quanto a “grande” história brasileira foi construída usando como matéria-prima muito de ambição pessoal e muito mais de mesquinharia política. Muito de interesses elitistas e muito de violência atingindo a população em geral. Ou seja, o quanto a “grande” história brasileira foi “pequena”.
Não se passa impunemente pela destreza narrativa do professor Mocellin. Fica-se com raiva, xinga-se, solidariza-se. Revelam-se personagens e momentos intensos de um conflito que foi, como o próprio autor destacou, o “mais sangrento da história brasileira”.
Li esse livro de um fôlego. Quando quis deixar a leitura para depois, relutava e resolvia avançar mais um capítulo, mais um capítulo e, imerso no texto elegante e preciso do autor, vi-me em meio ao conflito, temendo pelo meu pescoço!
Este é o segredo de uma narrativa geradora de aprendizado: ser uma Sherazade contemporânea, que faz a história narrada tomar, por um tempo, o lugar do real. E depois, devolvendo-nos ao mundo concreto, fazer-nos perceber que somos outros, acrescidos pela experiência dessa narrativa.
Por fim, deixo uma impressão que me marcou fortemente na leitura desta obra. Lembrei-me do filme Gangues de Nova York, do diretor Martin Scorsese. Nele, a cidade “civilizada” e “mundial” que hoje é o cartão postal da qualidade de vida e da pujança cultural dos EUA, é mostrada na sua gênese suja e violenta, com suas entranhas à mostra, com seus personagens sem maquiagem ou photoshop.
A história narrada com a crueza e o rigor de um mestre que não quer mais contos da carochinha, mas sim uma imersão profunda que permita que o passado cumpra sua função de ajudar a entender o presente. Uma obra que mesmeriza e impregna para sempre a experiência de qualquer um.
É assim a obra do professor Renato Mocellin. Sem tirar nem pôr. Não é um livro a mais para ler, apenas. É um livro para viver.

Prof. Dr. Daniel Hortêncio de Medeiros