Os trancos do progresso: o olhar caipira sobre São Paulo na moda de viola Bonde Camarão
No início do século XX a cidade de São Paulo vivia sob a expectativa de ideais modernistas e positivistas. O desejo pelo progresso movia as classes da oligarquia paulista e era o motor de uma economia baseada na cafeicultura e a industrialização. A figura do caipira, ou seja, do homem do campo, tido por atrasado, preguiçoso, indolente e doente, era algo que precisava ser suplantado pelo bem do progresso. No entanto, nem todos tinham a mesma compreensão dos fatos. Um grupo de intelectuais e literatos buscavam uma identidade nacional e regionalista para o país. Dentre este grupo, ligado à literatura e a música, figurava Cornélio Pires, um tieteense, que chegara em São Paulo e promovia espetáculos apresentando os diversos tipos de caipira através da música, dos causos e de seus personagens. Essas apresentações, muito concorridas, entravam em contraste com a imagem negativa propalada pela mídia da época. No entanto, em 1929, Cornélio lança os primeiros discos de causos e músicas caipiras, alcançando um público inimaginável para a época. Uma das primeiras músicas gravadas foi a moda de viola Bonde Camarão. Além de ser uma crítica ao progresso e à “belezura” da cidade grande, idealizada pelos modernistas, esta moda deu voz a um sujeito deslocado às margens da sociedade. Esta moda de viola, ao revelar os trancos do bonde, profere um discurso que faz o contraponto com a percepção progressista prevalecente da época. Neste artigo, faremos uma análise musicológica e literária desta canção. Lançaremos mão da teoria das representações de Stuart Hall, baseado nos estudos de Foucault, Saussure e outros. Pretendemos analisar a letra e a música de Bonde Camarão à luz do seu contexto histórico e compreender os signos e imagens do sujeito caipira, que produziram um outro discurso e representação da cidade.
Os trancos do progresso: o olhar caipira sobre São Paulo na moda de viola Bonde Camarão
-
DOI: 10.22533/at.ed.06720230721
-
Palavras-chave: Música Caipira, Moda de viola, Representação, Bonde Camarão, São Paulo.
-
Keywords: Caipira music, Country guitar tunes, Representation, Bonde Camarão, São Paulo.
-
Abstract:
At the beginning of the 20th-century, the city of São Paulo lived under the prospects of modernist and positivist ideals. The desire for progress moved São Paulo’s oligarchical classes as the engine of an economy based on coffee and industrialization. The figure of the hillbilly, that is, the country man, considered intellectually backwards, lazy, indolent and sick, was something that needed to be overcome for progress’ sake. However, not everyone had the same understanding of the facts. A group of intellectuals and scholars sought a national and regionalist identity for the country. Among this group, linked to literature and music, was Cornélio Pires, a Tietê citizen, who had arrived in São Paulo and promoted shows presenting the different types of hillbillies through music, storytelling and its characters. These presentations, very notorious, contrasted with the negative image propagated by the media of its time. However, in 1929, Cornélio releases the first records of stories and country music, reaching an audience unimaginable for its time. One of the first recorded songs was the country guitar tune Bonde Camarão, or “shrimp trolley”. In addition to being critical to the big city’s progress and “beauty”, as idealized by modernists, the tune gave voice to a subject displaced to social margins. This country guitar tune, or moda de viola, as it reveals the trolley's jolts, develops a narrative that counterpoints the prevailing progressist perception of its time. In this article, we offer a musicological and literary analysis of this song, using Stuart Hall’s representation theory, based on the studies of Foucault, Saussure and others. We intend to analyze the lyrics and music of Bonde Camarão in the light of its historical context to understand the signs and images of the countryman, who produced another discourse and representation of the city.
-
Número de páginas: 20
- Beatriz Magalhães Castro
- Carlos da Veiga Feitoza