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capa do ebook A REVOLTA DO CONTESTADO E O PASSADO QUE NÃO PASSA: NACIONALISMO, ABJEÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

A REVOLTA DO CONTESTADO E O PASSADO QUE NÃO PASSA: NACIONALISMO, ABJEÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

 A Revolta do Contestado aconteceu entre o período de 1912 e 1916, como uma manifestação da insurreição dos caboclos frente a um complexo projeto político orientado pela instauração da Republica no Brasil, sob a égide capitalista. Diante deste acontecimento e da história narrada e escrita, e partindo da apreensão psicanalítica e do pensamento crítico, entra em questão: que passado da Revolta do Contestado insiste em não passar? E como esta repetição se revela, na sua forma, na contemporaneidade? Assim, este trabalho objetiva apresentar um recorte sobre a Revolta do Contestado, especificamente em relação aos conflitos entre os grupos dominantes e os caboclos, investigando o quê destes conflitos continua atual. Para isso, como procedimento metodológico, utilizamos a pesquisa bibliográfica, que se trata de buscar responder uma hipótese por meio de referenciais teóricos publicados, analisando e refletindo sobre as múltiplas produções científicas. Assim, partiremos da investigação das produções sobre a história do Contestado – com o objetivo de verificar como se deram as relações entre os caboclos e os dominantes, no que concerne à produção de identidade de cada grupo –, o que será articulado com o entendimento de Hobsbawm (1990) sobre o nacionalismo e a sua dinâmica excludente; e conjecturando que uma identidade de um grupo se produz na abjeção de um outro grupo, basearemos nossa investigação com as reflexões de Butler (2000, 2015) e Freud (1930[1929]). E por fim, orientado pelo método dialético de Marx, apreendido por Walter Benjamin, faremos uma reflexão sobre a repetição da barbárie, testemunhada na Revolta do Contestado, que na sua forma, se revela na contemporaneidade. Walter Benjamin, um dos importantes autores do que se convencionou chamar de Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, em seu texto sobre o conceito de história, escreveu: “Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos do que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialismo histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo” (1940/1994, p.225). Podemos depreender vários ensinamentos desta preciosa reflexão, contudo, para este trabalho, faremos dois apontamentos. Esta tese de Benjamin recusa o pensamento iluminista, o qual tende a dicotomizar a civilização da barbárie, conduzindo a localização da barbárie no outro, no exterior, apontando que, pelo contrário, uma é o avesso da outra, ou seja, a barbárie está sempre à espreita, o que nos adverte sobre a ilusão de pacificação; além disso, através do materialismo dialético proposto por Karl Marx (1865), e da crítica à história contada pelos vencedores que se mantém na função de reproduzir o seu domínio e o lugar dos dominados, Benjamin nos convida a “escovar a história a contrapelo”, que implica em situar-se ao lado dos vencidos e a desvendar a barbárie que engendra a história e os elementos que a torna possível. Considerável parte da história escrita sobre o Contestado, provindas, sobretudo, dos relatórios militares – os quais mantêm a perspectiva dominante – os caboclos foram tratados, estereotipadamente, como fanáticos, bandidos, jagunços, rebeldes, um atraso ao desenvolvimento (THOMÉ, 1992; TONON, 2000), e esses elementos foram algumas das justificativas para a repressão que ceifou milhares de vida. Para além de um fato político regional e local, o contexto da revolta do Contestado se inseriu no início do Período Republicano no Brasil (TONON, 2002, p.13), com o declínio da monarquia e o começo da chamada República Velha, que teve como arautos a modernização, a ordem, o progresso, o povoamento, a colonização do país, o que se revelou como um movimento nacionalista no qual os privilegiados foram as classes dominantes – como representantes da nação – em detrimento dos caboclos. A idéia de Nação está relacionada à demarcação das fronteiras geográficas e simbólicas onde se definem quem dela participa e quem dela é excluída; o que não pode ser pensada fora da racionalidade capitalista que se institui com o domínio da natureza, e consequentemente, com o controle social, a manutenção da hegemonia burguesa – atualmente, neoliberal –, e a própria reprodução do capitalismo. Nesse sentido, além da demarcação das fronteiras, se fez necessária uma identidade nacional, na qual o outro que não reflete a sua imagem é tornado abjeto da sociedade, e quando este outro ainda insiste na sua insurreição, é exterminado, como nos caso dos caboclos. Conforme Butler (2000, 2015), o abjeto faz referências às vidas que a sociedade não assimila e, por isso, as arremessa às margens da vida social. Contudo, o abjeto faz parte desta sociedade, na medida em que a identidade dominante desta sociedade se faz na exclusão do que não pode ser. Nos conflitos do Contestado podemos dizer que a identidade dominante era representada pelos coronéis, oligarcas, colonos estrangeiros e os representantes do Estado, enquanto os caboclos, pondo-se como ameaça à identidade dominante, foram tornados abjetos. Esse processo de abjeção remonta ao entendimento tão atual presente no texto Narcisismo das pequenas diferenças (FREUD, 1930[1929]), em que os indivíduos se unem e se identificam entre si criando uma identidade, de modo a eleger um outro – caboclos – a quem se pode exercer a destrutividade. Para isso, acentuam certas características deste outro de forma que não se reconhece outras características e possibilidades, justificando, assim, subjetivamente e socialmente, a exclusão e o extermínio do outro ameaçador. A abjeção dos caboclos, como uma manifestação presente na ordem nacionalista, pode se colocar como um passado que não passa, na sua forma, e se repete na contemporaneidade, na qual é notável um recrudescimento de posicionamentos nacionalistas no Brasil e em vários países. Desse modo, podemos indicar que os caboclos da Revolta do Contestado continuam como abjetos e se atualizam nas figuras dos imigrantes, dos negros, das mulheres, dos LGBTQIA+, dos índios, como efeito político da crescente precarização de suas vidas.

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A REVOLTA DO CONTESTADO E O PASSADO QUE NÃO PASSA: NACIONALISMO, ABJEÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

  • DOI: 10.22533/at.ed.44920030822

  • Palavras-chave: Atena

  • Keywords: Atena

  • Abstract:

    atena

  • Número de páginas: 15

  • Lucas Emmanoel Cardoso de Oliveira
  • Bruno
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