A construção das personagens femininas Shakespeareanas enquanto representações estéticas da sociedade Elisabetana
Este trabalho tem como objetivo analisar como William Shakespeare constrói suas personagens femininas em duas comédias e duas tragédias renascentistas, a saber, A megera domada, O mercador de Veneza, Otelo: o mouro de Veneza e Macbeth. Será usado como embasamento teórico Raymond Williams, crítico materialista cultural, cuja compreensão materialista da forma literária não separa comentário histórico e análise formal, sempre articulando os dois campos na sua leitura dialética. O objetivo é propor uma leitura materialista dialética das peças mencionadas de modo a articular forma estética e representação social do papel feminino na Inglaterra renascentista, conforme articuladas por William Shakespeare no Renascimento Inglês. O trabalho proposto aqui foi realizado com base em pesquisa bibliográfica e qualitativa acerca das obras mencionadas e do autor William Shakespeare, sob o viés do materialismo histórico, seguindo as etapas de levantamento das características do materialismo histórico segundo Raymond Williams; apresentação e análise do contexto histórico da sociedade elisabetana e análise das obras escolhidas enquanto conteúdo histórico sedimentado da sociedade elisabetana renascentista e da representação feminina nesse universo literário.
Durante o desenvolvimento percebemos que é importante frisar que a rainha Elizabeth I entrava nos salões reais com a face pintada de branco, como uma boneca de porcelana, adornada de ouro e joias como um ídolo, rígida como uma deusa, coberta por seus inúmeros vestidos. Intocável. Sua eterna juventude esteve a serviço do seu reino, registrando sua marca em seus súditos, assim como em Shakespeare, que em suas peças deu vida a tantas mulheres-ídolo, deusas tocáveis e mulheres intocáveis. Shakespeare, certamente influenciado pela figura da rainha Elizabeth I, soube perceber o quanto as mulheres podem ser estabilizadoras ou desestabilizadoras, e talvez por isso não faltaram papéis marcantes para as mulheres nas tragédias e nas comédias. As mulheres das obras do dramaturgo inglês inscrevem com força cênica os traços de seu tempo, a realidade sócio-política que se formava em uma Inglaterra feminina e poderosa. Na Inglaterra, principalmente no século XVI, as mulheres das classes altas pareciam mais livres para as mulheres dos outros reinos, tanto pela constituição social do reino que diferia das outras partes da Europa, quanto pelo fato da mão forte da potência insular ser uma mulher. Porém, durante a era elisabetana as mulheres estavam constantemente sob os olhares de vigilância e reprimendas, começando pela própria rainha. O culto da personalidade de Elizabeth, que devolvera a liberdade e a força para a Inglaterra após momentos de instabilidade política e econômica, pode ser entendido como uma afirmação à mulher, e as peças do dramaturgo refletiam o caráter feminino da rainha que influenciou seu reino e seu tempo. As heroínas de Shakespeare não poderiam ser menos desconcertantes do que aquelas mulheres com as quais o dramaturgo viveu, e são lembradas e adoradas ao longo da história da dramaturgia dando uma força distinta às obras de Shakespeare. Se o drama não reflete a sociedade, mas põe em questão a estrutura social presente revelando suas nuances é possível pensar que Shakespeare cria suas mulheres para questionar se as mulheres eram pacifistas por natureza, se nasceram apenas para procriar e, por isso, avessas a qualquer tipo de destruição ou desordem. A partir de Emília — de Otelo: o mouro de Veneza —, Portia — de O mercador de Veneza — Lady Macbeth — de Macbeth — e Katherine, até mesmo Bianca — de A megera domada, heroínas dramáticas de trajetórias e ações completamente distintas, pode-se pensar como Shakespeare criou suas personagens femininas, mulheres que agem e carregam em si as consequências de suas escolhas, que vão de encontro com seus destinos. Essas personagens, nas tramas que vivenciam, não buscam a felicidade, mas sim a vida e sua permanente instabilidade. Chama atenção a força e o espaço que o dramaturgo deu para seus personagens femininos. Emília, Portia, Lady Macbeth e Katherine, até mesmo Bianca, são exemplos de personagens que nos mostram como o amor e poder, como a razão e a emoção são inseparáveis dentro dos seres humanos, homens ou mulheres. E, por essas mulheres não negarem nem seus instintos nem sua racionalidade, isso as torna livres, transgressoras e perigosas. Cada mulher que Shakespeare criou traz alguma marca da sociedade da época do escritor, assim como traços inerentes ao humano, de qualquer lugar ou tempo.
Assim como o homem moderno já se encontra representado na personagem Hamlet, que sabe que são suas ações que determinarão seu destino, também há na personagem de Macbeth conflitos de consciência e ética que são inseridos após a Idade Média. Mas Shakespeare escolhe a esposa deste, Lady Macbeth, para ser a expressão trágica da tensão entre o velho e o novo, o racional aliado ao passional na luta pelo poder. Macbeth é uma peça na qual o jogo não se dá conforme as exigências de caráter do homem, mas o caráter do homem é que deve se dobrar às exigências de suas ações, carregando traços fundamentais das tragédias tradicionais ao mesmo tempo em que mostra a racionalidade presente nos dramas modernos. As personagens femininas são peças fundamentais não somente para as tragédias shakespearianas como para suas comédias, pois são personagens que ao mesmo tempo agem e são atingidas pelas ações das outras personagens. Unindo razão e emoção, transitando tanto à margem da sociedade quanto no centro das relações palacianas, governando e se deixando governar, as mulheres assumem papéis importantes nas tragédias e comédias dada a relevância feminina na realidade da época da Inglaterra Renascentista de William Shakespeare.
A construção das personagens femininas Shakespeareanas enquanto representações estéticas da sociedade Elisabetana
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DOI: 10.22533/at.ed.1692019067
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Palavras-chave: Personagens Femininas Shakespearianas. Sociedade Elisabetana Renascentista. Papel Social da Mulher. Materialismo Histórico.
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Keywords: Shakespearean female characters. Elizabethan Society. The social role of women. Historical materialism.
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Abstract:
This work aims to analyze how William Shakespeare constructs his female characters in two comedies and two renaissance tragedies, The Taming of the Shrew, The Merchant of Venice, Othello: The Moor of Venice and Macbeth. Raymond Williams, a cultural materialist critic, whose materialistic understanding of the literary form does not separate historical commentary and formal analysis, will always be used as a theoretical basis, always articulating the two fields in his dialectical reading. The aim is to propose a dialectical materialist reading of the mentioned pieces in order to articulate aesthetic and social representation of the feminine role in Renaissance England, as articulated by William Shakespeare in his time. The work proposed here was carried out based on a bibliographical and qualitative research about the mentioned works and the author William Shakespeare, under the bias of historical materialism, following the steps of surveying the characteristics of historical materialism according to Raymond Williams; presentation and analysis of the historical context of the Elizabethan society and analysis of the chosen works as sedimentary historical content of the Elizabethan Renaissance society and of the feminine representation in this literary universe.
During development, we realized that it is important to note that Queen Elizabeth I entered the royal salons with her face painted white, like a porcelain doll, adorned with gold and jewels as an idol, rigid as a goddess, covered with her numerous dresses. Untouchable. Her eternal youth was at the service of her kingdom, leaving a mark on her subjects, as well as in Shakespeare, who in his plays gave life to so many idol women, touchable goddesses and untouchable women. Shakespeare, certainly influenced by the figure of Queen Elizabeth I, knew how much women can be stabilizing or destabilizing, and perhaps for this reason there was no shortage of important roles for women in tragedies and comedies. The women of the works of the English writer inscribe with dramatic force the traces of his time, the socio-political reality that was formed in a powerful and feminine England. In England, especially in the sixteenth century, upper-class women seemed freer to the women of the other kingdoms, both by the social constitution of the kingdom that differed from other parts of Europe, and by the fact that the strong hand of the insular power was a woman. Nevertheless, during the Elizabethan Era the women were constantly under the watchful eyes of reprimand, beginning with the queen herself. Elizabeth's cult of personality, which had restored freedom and strength to England after times of political and economic instability, can be understood as an affirmation to the woman, and the plays of Shakespeare reflected the female character of the queen who influenced her kingdom, and your time. His heroines could not be less disconcerting than those women with whom the writer lived, and are remembered and adored throughout the history of dramaturgy giving a distinct force to the works of Shakespeare. If the drama does not reflect society but calls into question the present social structure revealing its nuances it is possible to think that Shakespeare creates his women to question whether women were pacifists by nature, whether they were born only to procreate, and therefore, against to any kind of destruction or disorder. Getting all the chosen dramatic heroines, each one from a completely different trajectory and action, can make us think of how Shakespeare has created his female characters, women who act and carry within themselves the consequences of their choices, which meet their destinies. These characters, in the plot they live, do not seek happiness, but life and its permanent instability. It draws attention to the strength and space that the writer gave to his female characters. Emilia, Portia, Lady Macbeth and Katherine, even Bianca, are examples of characters who show us how love and power, as reason and emotion are inseparable within humans, men or women. Because these women deny neither their instincts nor their rationality, it makes them free and dangerous. Every woman that Shakespeare created brings some mark of the society of his time, as well as traces inherent to the human, of any place or time.
Just as modern man is already represented in Hamlet, who knows that his actions will determine his destiny, there is also in Macbeth conflicts of conscience and ethics that are inserted after the Medieval Time. However, Shakespeare chooses his wife, Lady Macbeth, to be the tragic expression of the tension between the old and the new, the rational allied to the passionate in the struggle for power. Macbeth is a play in which the game does not take place according to the character requirements of man, but the character of the man is that he must bend to the demands of his actions, bearing fundamental traces of the traditional tragedies while showing the present rationality in modern dramas. The female characters are fundamental pieces not only for Shakespearean tragedies but also for his comedies, since they are characters who at the same time act and are affected by the actions of the other characters. Uniting reason and emotion, moving both on the fringes of society and at the center of palatial relations, governing and letting themselves be governed, women assume important roles in tragedies and comedies given the feminine relevance of the era in which William Shakespeare was part of.
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Número de páginas: 11
- Fernanda Rafael da Paz