Ebook - Representações em tempos de censura: A Argentina na grande imprensa brasileira (1962-1976)Atena Editora

E-book

1. Censura. 2. Imprensa - Brasil. I. Nunes, Josiane de Paula. II. Título.

Livros
capa do ebook Representações em tempos de censura: A Argentina na grande imprensa brasileira (1962-1976)

Representações em tempos de censura: A Argentina na grande imprensa brasileira (1962-1976)

Publicado em 28 de março de 2023.

Já não são novidades no Brasil as pesquisas históricas sobre a imprensa
periódica ou as que a utilizam como fonte documental, principalmente nos
estudos sobre cultura e política. Desde o final do século passado, revistas e,
principalmente, jornais, foram descobertos pelos historiadores como muito mais
do que um manancial de informações sobre o passado: como sujeitos históricos
complexos, participantes da vida brasileira dos séculos XIX e XX, instituições
verdadeiramente sociais, com atuação pública destacada e nunca livre de
contradições. Os historiadores, na esteira de estudiosos da comunicação,
perceberam que cada periódico possui como que uma vida própria. A que mais
lhes tem interessado, sobretudo no caso dos jornais, é a vida política, por assim
dizer. Apesar de destinados a informar, os diários constroem sua autopercepção
e buscam se legitimar como expressão mais acabada da opinião pública, e, como
tal, vozes independentes, sobretudo em termos políticos. Consequentemente, a
historiografia passou a perscrutar as páginas da imprensa brasileira tentando
desvendar as formas pelas quais jornais buscam validar essa posição de
“imparcialidade” e se posicionar frente à miríade de eventos e processos que
diariamente ela leva a seus leitores. E, neste percurso, como eles acabam
participando da política que formalmente visam apenas relatar.
Nesse sentido, não é surpreendente que a maioria dos estudos tenha se
interessado por períodos de maior tensão política, como o que precede o golpe
de estado de 1964. Também é compreensível que os historiadores se perguntem
sobre como a imprensa se portou durantes os regimes de exceção – sendo a
ditadura militar o exemplo mais recente – nos quais aquela identificação com
a liberdade de opinião e de autonomia frente ao controle governamental foi
cotidianamente posta a prova – o que não significa que períodos democráticos
sejam inerentemente infensos à pressão de autoridades políticas e instituições
de estado, mas esta é uma outra questão.
O livro de Josiane Nunes que o leitor tem em mãos é um produto dessas
preocupações e dessa renovação dos estudos históricos. Ele é um ótimo exemplo
do tipo de análise acurada que a melhor historiografia faz das várias estratégias
textuais e gráficas as quais os jornais costumam recorrer para definir a pauta de
notícias, para apresentar sua interpretação delas e para se posicionar no dia-adia
da disputa política.
Mas seria injusto apresentar este livro como um mero exemplo dos
trabalhos feitos por uma área da historiografia, pois Josiane Nunes propõe
também uma reflexão inovadora. Enquanto a vasta maioria dos estudos sobre a
imprensa do período democrático de 1945 a 1964 e do período ditatorial pós-1964
analisa a posição de um ou mais periódico em relação aos governos, partidos e
movimentos sociais do período, a autora, de forma original, se propõe a romper
a barreira do paradigma epistemológico da nação, investigando o noticiário
internacional de dois dos mais importantes jornais do Rio de Janeiro, Jornal
do Brasil e Última Hora. Desta forma, Representações em tempo de censura
testa a hipótese de que mesmo áreas do noticiário que não estavam diretamente
ligadas às disputas políticas nacionais sofriam reverberações da posição dos
jornais sobre as mesmas. E, neste aspecto, a escolha do noticiário político sobre
a Argentina é particularmente interessante, na medida em que nosso vizinho é
um caso particularmente rico para se entender como a confluência da esfera
nacional e da esfera internacional permite aos jornais “vazar” sua leitura dos
acontecimentos, particularmente em contextos de censura e repressão, na
medida em que podem camuflar a primeira na segunda. Uma vez que a Argentina
também vivia uma longa conjuntura de instabilidade democrática (que remontava
a 1955, ano do golpe de estado que apeou Juan Domingo Perón da presidência e
proscreveu o peronismo), tem-se aqui um caso denso de constantes publicações
sobre assuntos que na superfície parecem dizer respeito a um outro contexto,
mas que, nas edições do JB e do UH, se abrasileiram. Se o leitor me permite
uma referência um pouco obscura e datada, Josiane Nunes revela que aquilo
que a expressão “eu sou você amanhã” (adotada pelo jornalismo da década
de 1980, por referência a uma conhecida propaganda de uma marca de vodka)
buscou sintetizar para a economia, também valia para descrever a relação de
precedência temporal das crises argentinas em relação às crises brasileiras; ou
seja, que aqueles dois diários cariocas perscrutavam na vida política argentina
lições e advertências para a vida política brasileira, na medida em que pareciam
antecipar se não acontecimentos, possíveis perigos ou percalços.
Outra originalidade do presente livro é a proposta de investigar a relação
de ambos jornais com a censura que, muito embora esteja associada na
memória coletiva ao arbítrio da Ditadura Militar, existia desde o Estado Novo
(1937-1945), tendo perdurado, ainda que de forma muito matizada, durante o
interregno democrático. O recrudescimento censório a partir de 1968, revela
Josiane Nunes, é um dos elementos centrais a impulsionar ambos jornais do Rio
de Janeiro a publicar e comentar as notícias sobre a Argentina de uma forma
que pudessem ser lidas nas entrelinhas análises e julgamentos sobre o regime
militar brasileiro.
Por fim, cabe destacar outra realização do livro que abre caminho a
novos estudos, não necessariamente apenas sobre o período em questão: o
papel da charge ou caricatura como forma híbrida de texto e ilustração que tece
comentários sobre a realidade. Normalmente, encontram-se vários estudos
sobre esta forma gráfica, mas sempre como um objeto em si, destacado de seu
suporte (por mais que haja o esforço por situar o veículo em que a charge ou
a caricatura foi publicada). No caso de Representações em tempo de censura,
ela é interpretada no bojo de cada publicação, enraizada na trama de notícias,
editoriais e crônicas que conviviam com ela a cada edição.
Mas quais são as conclusões que a análise de Josiane Nunes nos leva
sobre a posição do JB e do UH no referido contexto e no que diz respeito à
Argentina (e, por tabela, ao Brasil)? A imagem da Argentina continuou a mesma
nestes jornais? Como efetivamente a censura impactou esta posição? Os dois
diários tinham a mesma posição? Um bom prefaciador provavelmente resumiria
essas conclusões como forma de atrair o leitor. No entanto, isso levaria a uma
perda de fruição dada pela paulatina descoberta destas respostas através da
leitura do texto. E este prefaciador não pretende tirar esta curiosidade. Nada de
spoiler.
Portanto, aproveite o leitor a prosa fluída e a densa pesquisa de
Representações em tempo de censura.
João Paulo C. S. Rodrigues
Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 2023

Ler mais

Representações em tempos de censura: A Argentina na grande imprensa brasileira (1962-1976)

  • DOI: 10.22533/at.ed.373232803

  • ISBN: 978-65-258-1237-3

  • Palavras-chave: 1. Censura. 2. Imprensa - Brasil. I. Nunes, Josiane de Paula. II. Título.

  • Ano: 2023

  • Número de páginas: 123

Fale conosco Whatsapp