Por uma Geografia Feminista: As Mulheres na Conquista do Território Guajuviras, Canoas/RS
ELAS sabem que lutar por moradia conquista sua emancipação na cidade Para apresentar a obra Por uma geografia feminista: as mulheres na conquista do território Guajuviras, Canos/RS chamo a atenção sobre discussões de gênero na geografia na releitura e na compreensão da luta das mulheres pelo direito à cidade. Na sua obra, Márcia Ivana da Silva Falcão articula diferentes possibilidades do conhecimento da ciência geográfica para debater em torno de uma geografia feminista e sua complexidade metodológica, evocando na sua análise os desafios teóricos e empíricos no processo de construção de sua pesquisa durante o Mestrado em Geografia, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Márcia Falcão, envolvida por muito tempo com movimentos de educação popular, movimentos sociais, lutas das mulheres pelo direito à cidade, impulsionou seus questionamentos de pesquisa envolvida pelos territórios de atuação. Assim nasce os questionamentos e os desdobramentos da pesquisa seguindo as cores vivas de uma vida cotidiana pouco discutida na ciência e construída por mulheres. A pergunta, como as práticas sócio-espaciais das mulheres participam na constituição do território? provoca o silenciamento da ciência geográfica em analisar as práticas territoriais construídas por mulheres e da necessidade de pontuar uma forte discussão sobre gênero e geografia.
Com base nesse questionamento analisa as origens do Guajuviras, atualmente um bairro do município de Canoas, a partir do protagonismo das mulheres. O dia era 17 de abril, ano 1987, e assim surgia um dos maiores movimentos de ocupação e direito à moradia na Região Metropolitana de Porto Alegre/RS.
A retomada, a luta pela moradia e o direito de pertencer à cidade ocorre no Conjunto Habitacional Ildo Meneghetti que estava com suas obras paralisadas e as unidades habitacionais estavam totalmente abandonadas. A pesquisadora Márcia Falcão analisa toda a tensão em torno do processo de ocupação e os dilemas vividos especialmente por mulheres na luta e defesa de seu espaço, as dificuldades que se agravam devido as migrações campo-cidade, a falta de trabalho e de possibilidades de inserção social que necessitavam ser incluídas no projeto de desenvolvimento da cidade.
Para a construção desse diálogo, a autora não abre mão de sua trajetória política com a cidade. Com sua inserção pelos movimentos sociais e educação popular, a opção metodológica da pesquisa é qualitativa e comprometida com conhecimento compartilhado baseado na pesquisa-participante e também na análise de discurso. Na pesquisaparticipante, o grupo foi constituído por mulheres presentes no movimento de ocupação das unidades habitacionais que apresentaram, em diversos encontros, suas memórias e vivências envolvidas pelas práticas espaciais e que vão compor as narrativas centrais desta obra e a análise da construção de um território vivido por mulheres.
Para fortalecer a construção desse diálogo, utiliza também o referencial teórico e metodológico da Análise de Discurso (AD). A opção por esta análise permite compreender os diferentes discursos em notícias sobre a Ocupação do Guajuviras nos principais jornais do município de Canoas. No caminho da pesquisa, lança questões para leitura dos discursos como: Faz referência à(s) mulher(es)? Em que condição? O que diz? O conjunto dessas questões permitem trazer à tona representações sobre as mulheres e suas práticas espaciais veiculadas pela mídia impressa. Essa estratégia metodológica destaca a presença de discursos hegemônicos sobre o processo de luta e resistência da Ocupação do Conjunto Habitacional Ildo Meneghetti. Os resultados de sua análise reverbera o quanto existem silenciamentos na forma de narrar um fenômeno e como a cidade é representada nestes discursos a partir de um único repertório sócio-cultural.
Podemos ver que a partir dos resultados de suas referências teóricas e metodológicas, a intensidade do pensamento racional moderno ordena e prioriza conhecimentos, impondo a dominação colonial que no seu processo histórico valoriza a sociedade patriarcal e oprime as mulheres mantendo-as invizibilizadas dentro do saber-fazer científico que impossibilita marcar a presença feminina no espaço. Esse conhecimento da racionalidade preza o desenvolvimento e a sustentação de uma epistemologia científica baseada no planejamento das cidades subservientes ao capital. A autora vai trazer para o âmago da ciência geográfica essa discussão evidenciada pelas narrativas que as mulheres apresentam e como está circunscrita na produção e reprodução do espaço urbano representado por subjetividades, trajetos, comportamentos, usos, circulação, produção e apropriação.
Prefiro queimar o mapa, traçar de novo a estrada, ver cores nas cinzas, e a vida reinventar.
Esse trecho da letra Triste, Louca ou Má nos ajuda a perceber onde a autora Márcia Falcão vai chegar com esta importante obra. Ela está dividida em 3 (três) grandes partes composta por discussões articuladas em capítulos. Para a primeira parte da obra, Márcia Falcão, vai marcar essa discussão em Geografia e gênero: por uma epistemologia da existência. Representa o movimento de discussão para romper com o silenciamento da ciência. Trata de uma argumentação necessária (muito debatida por nós duas em diversos momentos do processo de pesquisa) de teorias, sobretudo feministas com autores e obras da ciência geográfica, para compreender que os corpos e todos os afetos dessas mulheres produzem territórios.
Na segunda parte, a obra apresenta o que a Márcia denominou “o coração da pesquisa”, denominando-a de Guajuviras, terra da gente!. Nesta, a autora nos convida para leitura dos relatos emocionantes, intensos das interlocutoras da pesquisa. Registra com coragem as vivências das mulheres que fizeram parte das narrativas. A densidade textual das narrativas nos convida para o debate de uma geografia feminista para os estudos urbanos. O cotidiano é o palco do protagonismo feminino, representa a resistência e força à imposição dos modelos de dominação marcado por marchas, lutas, caminhadas, assembleias coletivas, cuidados com o território e com o lar, cuidado com os filhos e filhas e as possibilidades de se reinventar no espaço. Visibiliza compreender o lema das marchas das mulheres “Guajuviras: terra da gente”. Espaço-tempo coexistem na relação cotidiana.
É passado, presente e futuro. As forças que movem o presente estão ancoradas pelo passado de lutas e projetam um futuro com mais justiça social que ainda faz parte das demandas do bairro. Suas diversas e diferentes práticas de resistência nos confronta, nos comove, nos afeta. Tensiona as contradições da ciência que ainda segrega a mulher no planejamento das cidades, mas também torna o caminho aberto para as possibilidades de incluir o gênero nesse debate.
Nesta parte há capítulos que complexificam as discussões a partir das diferentes escalas de espaço e tempo contidas nas narrativas e, sobretudo, tratando os processos de disputas territoriais e a ocupação Guajuviras como parte de um processo mais amplo de migrações e urbanização brasileira.
Na parte 3 (três), As práticas das mulheres na constituição do território Guajuviras apresenta todo o esforço da análise dos discursos. Através de reportagens obtidas em jornais, representam a visão e os discursos políticos sobre o processo de ocupação do Guajuviras e os modos de apresentar e subjetivar a participação das mulheres nesse processo. As práticas descritas nas matérias e visualizadas nas imagens naturalizam as ações e decisões das condições de existência das mulheres da Ocupação Guajuviras e retiram do protagonismo feminino o projeto revolucionário de suas estratégias e táticas do fazer cotidiano, tornando-as naturalizadas dentro do espaço doméstico, um contexto de trabalho feminino não-valorizado e invisibilizado.
Novas racionalidades impõe-se com grande valor em relação à cientificidade padronizada dentro dos grandes centros de estudos e pesquisas. A mulher, na sua luta cotidiana, nas suas relações de afetos e de emoções, na busca de sua espiritualidade perdida com a razão moderna, passa a aflorar em um momento histórico bastante especial na condição humana. Márcia Falcão, nos apesenta essa discussão: são outras racionalidades, um encontro com o tempo-espaço envolvido com a vida cotidiana que incita uma outra proposta de desenvolvimento que preze a equidade econômica, cultural e a as diferentes práticas sócio-espaciais desejáveis para diferentes gêneros.
Nosso Guajuviras, nosso lugar de fala
Ao chegar ao final da obra Márcia Falcão diz: a determinação para ocupar e resistir, abandonar o emprego e ficar realizando as tarefas cotidianas de buscar água, lavar roupas, preparar alimentos, cuidar dos filhos em condições precárias, etc., são tarefas da esfera privada, realizadas para responder às demandas da vida doméstica. A realização destas não tinham o objetivo de ser atos políticos. No entanto, o foram! É na sua escrita e na percepção de suas narrativas que o lugar de fala de mulheres da Ocupação Guajuviras revela que habitar é um direito que não pode-se abrir mão. As narrativas dessas mulheres se entrecruzam com muitas outras narrativas espaciais vivenciadas em outros bairros e cidades. 17 de abril de 1987 foi um marco na compreensão da urbanização brasileira na Região Metropolitana de Porto Alegre/RS: as mulheres apropriam-se dos espaços e evidenciam por suas práticas a necessidade de repensar uma nova configuração de cidade. Quando mulheres tomam para si todo o movimento, o mundo caminha com elas...
Convido a tod@s para aprender junt@s com estas MULHERES! Boa leitura!
Cláudia Luísa Zeferino Pires
Por uma Geografia Feminista: As Mulheres na Conquista do Território Guajuviras, Canoas/RS
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DOI: 10.22533/at.ed.586201008
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ISBN: 978-65-5706-258-6
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Palavras-chave: 1. Ocupação Guajuviras (Canoas, RS) – História. 2. Direito à moradia. 3. Mulheres – Depoimentos. I. Título.
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Ano: 2020