Poesia na fonte
Publicado em 24 de janeiro de 2024.
Como quem fecha as mãos em concha para reter a água pura da fonte,
apresentamos aos leitores a poesia e a prosa poética dos participantes do projeto
"Leitura e escrita criativa no IFMT", nossos alunos, riachos de água fresca, pura
e límpida. Poesia na fonte reverbera o nascedouro da escrita das mãos e mentes
de jovens estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Mato Grosso, Campus Cuiabá - Octayde Jorge da Silva. Os jovens escritores
abraçaram o desafio lançado por duas professoras sonhadoras que acreditam
na arte, no poder da palavra, no potencial criativo que todo ser humano traz em
si.
Bem ao estilo juvenil, despojada de rodeios ou elaborações desnecessárias,
a escrita surge carregada de emoções, vibrante, direta e excessiva, como é a
juventude em sua mais genuína expressão. A seleção de poemas traz diferentes
vozes, desde a que confronta o silenciamento até a que entoa versos de amor não
correspondido à imagem lírica, melancólica, fonte das mais lindas declarações
que jorram de um coração apaixonado.
Essa nascente poética representa o resultado do projeto de leitura e
escrita criativa, edital 27/2022, elaborado a partir dos livros distribuídos pela
LiteraMato I e II. Por meio da interação texto-leitor, leitor-leitor, leitor-autor, a
proposta foi desenvolvida com alunos do Ensino Médio Integrado, no período
de 2022/2 a 2023/1. As atividades de leitura e escrita foram realizadas em
três etapas: seleção e leitura das obras, o contato com os autores e, por fim,
o exercício da escrita criativa, quando os participantes do projeto iniciaram o
processo de criação.
Nos primeiros encontros, os estudantes fizeram as leituras de forma livre
e descompromissada dos engessamentos tradicionais que a escola propõe
para as atividades leitoras. Após essa experiência inicial com o livro, cada leitor
socializou suas impressões e percepções, compartilhando com os colegas a
leitura realizada. Sobre essa experiência, vale lembrar a afirmação de Melo
(2021, p. 63)1, de que “no momento em que o aluno se posiciona, não se trata
apenas de uma questão de ter acesso aos livros, mas de compreensão de si e,
sobretudo, de se ver como parte integrante da sociedade”.
Um aspecto relevante que o projeto legou aos estudantes é que o
exercício da escrita criativa pressupõe a atividade de leitura, pois não há escritor
sem que antes exista o leitor. Aos poucos, eles perceberam o movimento de
proximidade entre as duas atividades e o quanto uma está engendrada na outra.
Quando os exercícios criativos iniciaram, foram exploradas técnicas
variadas para estimular a escrita e liberar os participantes de possíveis amarras
ou barreiras que bloqueassem a escrita criativa. No decorrer dessa etapa, porém,
os jovens escritores revelaram um excelente desempenho com a escrita e leitura
dos textos autorais. Por fim, tornou-se natural aos participantes do projeto
transpor para o papel suas ideias, sentimentos e pensamentos organizados
de forma estética, ou seja, elaboraram as emoções por meio da linguagem,
explorando todo o potencial simbólico que ela disponibiliza aos que dela se
apropriam.
A escolha pela leitura do gênero poesia ocorreu de forma espontânea, sem
interferência das orientadoras. Da mesma forma, houve predileção natural pela
escrita em verso, estilo predominante nas leituras e produções. Os poemas vêm
divididos em oito seções, sendo a última, “eu falo de mim”, uma apresentação
de cada um dos participantes, na qual falam um pouco de si em forma de poesia
e prosa.
No decorrer da obra, o leitor poderá “dar voltas na borda do mundo” e
ser surpreendido por uma demissão sumária, pois “se viver é um cargo e a vida
um fardo/ eu me demito”, anuncia o eu-lírico. Entre o ser e o não ser, outra voz
lírica dirá que não será boa, mas poderá ser “a torcida no jogo do Corinthians”,
“o sorvete de chiclete” ou “aquele abraço que compensa as lágrimas choradas”.
Em outro poema, há o susto de uma denúncia: “Ele não tinha aquele direito!/…/
Eu fui violentada/ Machucada”. Outra voz indaga: “Quem andou mentindo para
você?” Encorajada, surge uma voz lírica que protesta: “se até uma gata, um
animal, protege seus filhos assim/por que você não olhou para mim?/por que não
me protegeu quando eu mais precisava?” e de modo libertador, rompe o silêncio
e confessa o seu desejo: “Queria ser filha de uma gata”.
Causando um certo alívio depois da tensão, surgem versos como: “A
menina não se dá conta de que está cuidando de si”. E o processo criativo
desperta, então, para a simplicidade da vida, como enuncia a voz lírica sobre
a mais sublime forma de se amar na imagem da amizade: “O meu amigo é
incrivelmente paz”.
Surgem, ainda, os temas filosóficos, como nos versos “existem coisas
que são mais fáceis de serem apreciadas no escuro” e “o tempo tá sempre
correndo e eu não quero ficar parada nele”. E como não sentir o impacto diante
da constatação do jovem poeta: “Ali está a pedra firme e forte, está no meu rumo/
Preciso ir mais fundo?/ Preciso mudar?”. Eis que outra voz parece trazer uma
solução em forma de proposta: “E se eu deixar o vento me levar/ E se eu deixar
de te amar/ E se eu deixar de me importar/ E se eu deixar tudo para trás/ Será
que seria diferente?”
A expressão juvenil entoa também versos de um eu poético que vivencia
o sentimento intenso como um dia de tempestade com relâmpagos e trovoadas
“Por que você me abandonou?”/ “Foi um erro te amar…”/ “te amar é como me
matar lentamente”. Mas a calmaria retorna como o som da chuva fina em uma
noite de inverno: “eu gosto de você e isso é tudo” e mais, “Você faz os meus dias
escuros se tornarem um lindo fim de tarde”. Por fim, uma declaração: “eu sou
sua”. O estado de poesia arranca do coração a mais linda declaração de amor:
“Amo-te como se fosse a única coisa que eu soubesse fazer”.
Por outro lado, há também a dúvida sobre esse sentimento tão arrebatador:
“Será que realmente sinto amor?/ Ou será só uma paixão passageira". Para
aqueles que vivenciam a fase das grandes descobertas, os versos “eu gosto de
você e isso é tudo.../ ou quase tudo”, deixam entrever a profusão de sentimentos
que invade os corações juvenis. As incertezas e dúvidas se avolumam como as
águas que caem de uma cachoeira: “Talvez um dia você leia todos os poemas
escritos em seu nome”.
Nesse ritmo romântico, o eu-lírico clama pela evasão, pela fuga do real,
desejando retornar ao tempo feliz: “Me leve de volta para o dia em que nos
conhecemos”. Num movimento contrário, outra voz se manifesta: “Que jogue
o maldito tinteiro em mim”. E como todos os grandes poetas falaram de amor,
também nossos meninos e meninas deixam o registro de seus primeiros versos
derramados da mais pura fonte poética.
Edsônia de Souza Oliveira Melo
Marli Terezinha Walker
Coordenadoras do Projeto: LiteraMato –
Leitura e Escrita Criativa no IFMT
Cuiabá, 19 de outubro de 2023.
1. MELO, Edsônia de Souza Oliveira. O Pensar Alto em Grupo como prática dialógica de leitura literária:
os leitores entram em cena. 241f. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil,
2021.
Poesia na fonte
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DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.382232012
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ISBN: 978-65-258-2138-2
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Palavras-chave: 1. Poesia. 2. Literatura brasileira. I. Melo, Edsônia de Souza Oliveira (Organizadora). II. Walker, Marli Terezinha (Organizadora). III. Título.
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Ano: 2024
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Número de páginas: 105