Participação de pacientes na CONITEC: Teoria, prática e estratégias
Publicado em 01 de dezembro de 2022.
Na década de setenta, o movimento dos direitos das pessoas com deficiência lançou o lema “Nada sobre nós, sem nós”. No mesmo momento histórico, esse lema foi introduzido no então nascente movimento dos direitos dos pacientes, que preconizou a imperiosidade da sua participação em todos os assuntos que lhes eram afetos. Além disso, o lema coloca em evidência a importância de não se falar sobre os pacientes, mas sim com eles, enquanto agentes morais e sujeitos de direito.
Paulatinamente, a participação do paciente foi se ampliando para abarcar três dimensões, a dimensão macro, a dimensão meso e a dimensão micro. Na dimensão macro, a participação do paciente se associa à da comunidade, ambas confluindo para a ocupação dos espaços públicos de deliberação. A dimensão meso se refere, em linhas gerais, à integração dos pacientes em conselhos e comitês no nível hospitalar e em esferas regionais ou locais dos sistemas de saúde. Na dimensão micro, o paciente participa das decisões sobre seus cuidados em saúde, enquanto parceiro da equipe de profissionais. Desse modo, se até a década de setenta, o paciente era visto como objeto do cuidado em saúde e das políticas públicas, gradualmente, o seu papel de protagonista foi sendo construído, passando a ser considerado como ator central da sua própria vida e agente da tomada de decisão.
Em consonância com esse processo na esfera da saúde, no campo dos direitos humanos, a partir da adoção do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, pela Organização das Nações Unidas, em 1966, e dos seus desdobramentos jurisprudenciais, o direito de participar da condução dos assuntos públicos foi sendo alçado a um dos pilares das democracias contemporâneas. Em consequência, a participação macro do paciente nos assuntos que lhes são afetos também se fundamenta no referencial teórico-normativo dos direitos humanos, conferindo-lhe um destaque nos sistemas de saúde em várias partes do globo. Essa participação no âmbito da saúde pública se expressa em diversos assuntos, mas, destacadamente na Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS), que pode ser definida, de acordo com a Health Technology Assessment International (HTAi), como um “processo multidisciplinar que utiliza métodos explícitos para determinar o valor de uma tecnologia em saúde em diferentes pontos de seu ciclo de vida”. Assim, a ATS pressupõe a avaliação sistemática da eficácia clínica e/ou custo/eficácia e/ou o impacto social e ético de uma tecnologia em saúde na vida dos pacientes e no sistema de saúde.
Pode-se afirmar que a ATS expressa o contrato social de dada sociedade acerca de quais tecnologias em saúde serão arcadas coletivamente. Para que esse contrato social expresse a perspectiva daqueles que serão diretamente afetados pelo processo deliberativopresente na ATS, incluir a perspectiva do paciente é essencial, condição nodal para que seja democrático e justo. A ATS é um processo multidisciplinar, que tem como propósito sistematizar informações de distintas naturezas, tanto médica, social, econômica e ética, incluindo, ademais, o conhecimento experiencial do paciente sobre o que significa viver com determinada condição de saúde e as suas correlações com determinada tecnologia em saúde. Com efeito, o reconhecimento paulatino de que o paciente deve envolver-se na ATS vem acarretando uma série de mudanças na atuação das agências de ATS, notadamente, por meio da introdução de mecanismos de participação de pacientes.
Particularmente, em relação ao envolvimento do paciente na ATS, o Ontario Health Technology Advisory Committee, em 2015, assentou que esse envolvimento contribui para os objetivos instrumentais, democráticos, científicos e tecnocráticos do processo avaliativo. Enfatiza-se que o endosso da participação do paciente também deriva dos movimentos de participação do paciente e do seu direito humano a participar da condução dos assuntos públicos. Desse modo, consolidou-se, na esfera da ATS, o entendimento de que as evidências baseadas no paciente identificam questões sobre como viver com determinada condição e os tratamentos oferecidos. Com efeito, em junho de 2021, a International Network of Agencies for Health Technology Assessment (INAHTA) assentou que “o envolvimento do paciente é reconhecido pela INAHTA como um elemento importante e valoroso na condução da ATS”.
No Brasil, em consonância com o amplo consenso acerca da participação dos pacientes na ATS, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia (CONITEC), órgão que integra a estrutura do Ministério da Saúde, vem agregando a participação do paciente por meio de mecanismos específicos, como a Perspectiva do Paciente, a Consulta Pública e a Audiência Pública. Embora haja o amplo reconhecimento de que as agências de ATS devem conferir espaço à participação do paciente, a literatura especializada aponta para os desafios de torná-la efetiva e para a presença do tokenismo5 , entendido como o pedido de envolvimento da sociedade, mas esse não é seriamente considerado ou não são proporcionados os meios para que seja eficaz.6 Esse quadro também se verifica no Brasil, ou seja, embora os esforços da CONITEC e das associações de pacientes, a participação qualificada e efetiva dos pacientes ainda é uma construção gradual e árdua.
Com o objetivo de contribuir com a participação dos pacientes na CONITEC, o Observatório Direitos do Paciente do Programa de Pós-Graduação em Bioética daUniversidade de Brasília (UnB), composto por pesquisadoras especialistas, Mestres e Doutores, e coordenado pelas professoras e pesquisadoras em estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Bioética da UnB, Dra. Helena Paro e Dra. Renata da Rocha, produziu coletivamente este Manual, que decorreu de extensa e profunda pesquisa sobre ATS e a participação de pacientes. Este Manual, de conteúdo inédito no país, se encontra estruturado em 12 Capítulos que têm a proposta de apresentar para o leitor, de forma didática e simplificada, os aspectos variados que estão envolvidos na participação do paciente na CONITEC, como o conceito de ATS, a estrutura da CONITEC, os modos de participação e como qualificar a sua participação.
Este Manual se destina a todos os pacientes, membros de associações de pacientes, interessados e estudiosos sobre a temática, com o propósito de ampliar a democracia participativa em nosso país, entendendo que a cultura dos direitos humanos na saúde implica o protagonismo do paciente em todos os processos de tomada de decisão que lhe impactam, amplificando a sua voz e valorizando o seu conhecimento experiencial.
Com este Manual, o Observatório Direitos dos Pacientes do Programa de PósGraduação em Bioética da UnB ratifica seu compromisso com uma Bioética dos Cuidados em Saúde que se alicerça na centralidade e no empoderamento do paciente em todas as suas dimensões.
Desejo a todas as pessoas boa leitura e a disseminação deste Manual para contribuirmos com o aprimoramento dos trabalhos da CONITEC!
Aline Albuquerque
Participação de pacientes na CONITEC: Teoria, prática e estratégias
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DOI: 10.22533/at.ed.492222911
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ISBN: 978-65-258-0749-2
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Palavras-chave: 1. Biomedicina. 2. Tecnologia. I. Paro, Helena Borges Martins da Silva (Organizadora). II. Rocha, Renata da (Organizadora). III. Albuquerque, Aline (Organizadora). IV. Título.
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Ano: 2022
Artigos
- 1. O que é Tecnologia em Saúde?
- 2. O que é a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)?
- 3. Agências de ATS
- 4. Por que as agências de ATS incentivam o envolvimento de pacientes?
- 5. Mecanismos de participação das associações de pacientes na ATS
- 6. O que é a Conitec?
- 7. Entendendo o fluxo de avaliação e incorporação das tecnologias em saúde
- 8. Mecanismos de participação das associações de pacientes na CONITEC
- 9. Por que participar da CONITEC?
- 10. Como participar de forma estratégica na Conitec?
- 11. Quais informações das associações de pacientes são primordiais para a CONITEC?
- 12. Estudando outras agências de ATS