Ebook - Ortotanásia: a arte de bem morrer no tempo certoAtena Editora

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Ortotanásia: a arte de bem morrer no tempo certo

Publicado em 05 de julho de 2023.

“Não é da morte que temos medo, mas de pensar nela.”
(Sêneca, filósofo latino, 4 a. C.-65.d.C)


Já há algum tempo percebo a dificuldade que nos toca de tratar da
morte e das questões que lhe cercam. Motivações de ordem religiosa,
econômica, social, antropológica... se unem a justificar um olhar
recrudescido em relação à morte, como se a vida pudesse se eternizar
em si mesma. Como se a morte não fosse o epitáfio de uma vida di gna.
Talvez por isso, ao receber o honroso (mas, leve e feliz) convite
de Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral para anunciar (como os
sinos das catedrais) a sua obra Ortotanásia: a arte de bem morrer no
tempo certo, me deparei com uma dificuldade intelectual ululante: como
formular uma interessante apresentação de um livro que trata desse
indesejado momento, que é a morte? As nossas mentes repulsam de tal
modo a morte que transformamos em momentos de vida e de celebração
mensagens claramente ligadas ao término da existência humana. Vejase,
ilustrativamente, a bela canção Aquarela1 que, malgrado verse, a
toda evidência, sobre a morte que a tudo descolorirá, é cantada, talvez
pelo impulso colorido da publicidade, como um festejo de vida e tons de
alegria...
Nessa ambiência desfavorável à abordagem do tema, louvo a
obra e o esmero da Professora Hildeliza Boechat, de Itaperuna (RJ).
Coragem, técnica e didática são características que saltam aos olhos da
leitura deste livro. Coragem porque se mostra propositiva, chamando a
atenção para aspectos pouco explorados pela literatura, estabelecendo
uma fundamental correlação entre a ortotanásia e o direito à morte
digna. Técnica por utilizar de um fecundo diálogo com outros setores do
conhecimento, como a Medicina e a Religião, com vistas à completude
e coerência. E, por derradeiro, didática em razão de sua estrutura
orgânica, partindo de aspectos gerais para chegar ao reconhecimento
da admissibilidade do instituto em nosso estágio atual da ciência jurídica,
inclusive por conta das diretivas antecipadas, já regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina.
Bem por isso, a leitura do livro é impositiva para a mais
contemporânea compreensão da temática. Inovadora e cuidadosa nas
conclusões, Ortotanásia: a arte de bem morrer já se vocaciona a figurar na
literatura jurídica como obra tendente a ser divisora de águas, singrando
correntes ainda não navegadas pela clássica doutrina brasileira.
Aliás, o contato com o cativante livro da Professora fluminense
Hildeliza me trouxe à mente um dos instigantes textos do jovem escritor
gaúcho Fabrício Carpinejar, em seu Me ajude a chorar (Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2014, p. 128), ao afirmar, em uma de suas crônicas, que
pretende
“morrer bonito. Morrer com o rosto descansado e satisfeito.
Morrer com um pouco de preguiça. Morrer sobrando.
Morrer com a vontade de amar a mulher da noite. Morrer
espiando as ofertas dos classificados, completando as
palavras cruzadas do jornal. Morrer com as articulações
das pernas firmes e os braços levantando o peso das frutas.
Morrer sabendo o resultado de meu time e sua posição
no campeonato. Morrer com confiança. Morrer respirando
largamente. Morrer com a memória das datas prediletas.
Não morrer pessimista. Não morrer desesperançado. Não
morrer longe de mim. Morrer feliz com o que eu tive e fui
capaz de fazer. Morrer acenando com força na janela dos
olhos de Deus”.

O tema, portanto, é marcante, envolvendo reflexões das mais
diversificadas ordens – o que permite antever o alvissareiro momento
em que se apresenta.
Aliás, no longínquo ano de 1927, em meio às turbulências de
grandes conflitos humanitários, Sigmund Freud, ainda que por vias
transversas, já advertia que a cultura humana repousa sobre a repressão
de impulsos antissociais naturais aos homens e a religião é a principal força
a controlar estes impulsos, estabelecendo padrões de comportamento
controladores do desejo: “psicologicamente falando, estas crenças
apresentam o fenômeno da realização do desejo. Desejos que são as
realizações dos desejos mais antigos, mais fortes e mais urgentes da
humanidade” (O futuro de uma ilusão, São Paulo: L & PM, 2010, p.38). E
dentre os desejos está a necessidade de agarrar-se à existência do Pai,
com o consequente prolongamento da existência terrena por uma vida
futura, sinalizadora da imortalidade da alma humana.
Ora, de fato, vem prevalecendo entre as culturas ocidentais
uma ideia (repetida com uma obsessão quase atávica) de que a vida
humana não pertence ao titular, sendo-lhe indisponível e que o conceito
de dignidade humana é pautado por uma parametrização social,
conspirando no sentido de que somente o Ente Divino, onipotente e
onipresente, poderia determinar a cessação da existência humana, por
maior que seja o sacrifício e a dor impostas a uma pessoa humana.
Nunca se respondeu, no entanto, às instigantes e verticais
indagações subjacentes à matéria. A morte é, sem dúvida, um dos
maiores enigmas do universo, carregando consigo questões às quais
a ciência, mesmo na pós-modernidade, não consegue ofertar resposta
adequada e suficiente.
De todo modo, conquanto sejam óbvias as dificuldades acerca
do tema, a Professora Hildeliza acreditou na fina argúcia do cientista
austríaco, Pai da Psicanálise, de que o trabalho científico constitui “a
única estrada que nos pode levar a um conhecimento da realidade
externa a nós mesmos” (op. cit., p. 45).
E, com esse móvel, produziu uma página literária de invulgar
pertinência e oportunismo. Superando uma visão genérica, neutra
e indiferente de que o conceito de dignidade alcançaria a todos de
maneira uniforme, inova ao propor uma compreensão da dignidade
humana personalizada, levando em conta as particularidades de cada
pessoa, os seus anseios, histórias e perspectivas. Consta, verbum ad
verbo, de suas conclusões a necessidade de uma “visão humanizada”
da ortotanásia, para conjugar parâmetros éticos, médicos e jurídicos.
Supera-se, assim, preconceitos para garantir o atendimento
à principiologia garantista da Lex Fundamentallis. E adiro, no ponto,
à assertiva de que o fundamento da dignidade humana não deve ser
universal. Os humanos são especiais pela sua simples existência e, por
isso, reclamam tratamentos individualizados, respeitada a sua essência
específica. Nessa linha de intelecção, portanto, a dignidade há de ser
vista a partir de uma compreensão individual, vocacionada ao cuidado
que cada ser merece em si.
Não tenho dúvidas de que a leitura desse instigante livro renova
os meus estudos e percepção sobre o tema. A cada página, lembrei
do soneto musical de que “isso me acalma, me acolhe a alma, isso me
ajuda a viver.” Trata-se de importante contributo para uma visão menos
preconceituosa da matéria, mas técnica e interdisciplinar. Até porque o
futuro precisa ser mais inclusivo e tolerante. É chegado o momento de
vencer repetições de tempos remotos, incompatíveis com a realidade.
A ojeriza que toca à maioria das pessoas em relação à morte
precisa ser sub-rogada por uma visão mais humanista de que a morte
digna há de ser o corolário natural e inexorável do direito a uma vida
digna (CF, art. 1º, III). Assim, proteger-se-á o ser humano. Assim,
ressaltar-se-á o cuidado como uma consequência clara da dignidade
humana – como bem concatena a autora dessa obra.
Até porque, invocando a poesia sensível de Vinícius de Moraes,
“a morte chega a ser impressentida, nunca inesperada (...) dos homens
que matam a morte por medo da vida” (MORAES, Vinícius de. Nova
antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 41).
E falando sobre algo esperado, arremato esta aprentação para
permitir que o leitor já tenha o merecido contato com essa bela obra que
inova, transcende e propõe.

Praia do Forte, Bahia, aguardando as águas de março, no outono
de 2023.

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia
Mestre pela Universidade Católica do Salvador – UCSal.
Professor de Direito Civil do Complexo de Ensino Renato Saraiva
– CERS
(www.cers.com.br)
Professor da Faculdade Baiana de Direito
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM


1 Relatando a relevância de Aquarela em sua vida profissional, após revelar que a música “alerta para
o enigma do futuro que guarda em seu bojo a implacável ação do tempo, fazendo tudo perder a cor,
perder o viço, perder a força”, Toquinho narra que a música foi sucesso primeiramente em solo italiano,
onde mereceu o título de Acquarello. La, o disco saiu com 30 mil cópias que se esgotaram no segundo
dia. “Essa música tem realmente um aspecto emocional muito forte, um apelo comercial, as pessoas
ouvem e se envolvem”, como consta do site oficial do artista, http://www.toquinho.com.br/epocas.php?-
cod_menu=11&sub=46.
 

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Ortotanásia: a arte de bem morrer no tempo certo

  • DOI: 10.22533/at.ed.015230507

  • ISBN: 978-65-258-1501-5

  • Palavras-chave: 1. Ortotanásia. 2. Morte digna. 3. Direito. 4. Bioética. 5. Medicina. 6. Cuidados paliativos. I. Cabral, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat. II. Título.

  • Ano: 2023

  • Número de páginas: 143

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