O Anjo da Morte
Publicado em 07 de maio de 2022.
Caro leitor, o título do presente livro, O Anjo da Morte, pode criar uma expectativa de tetricidade, morbidez ou, pelo menos, de pieguice. Acontece, no entanto, que o autor, o padre Raphael Colvara Pinto é um jovem sacerdote, com sólida formação na moderna filosofia. É também doutor em teologia, adepto de uma perspectiva teológica iluminada pelas tendências do pensamento contemporâneo. O fio condutor destas reflexões molda-se nas tendências da hermenêutica contemporânea. Enquanto no século XVIII, com o despontar do pensamento filosófico marcado pelo iluminismo científico, presunçosamente, acreditava-se na proximidade de tempos em que a lógica, a matemática e a comprovação experimental iluminariam todos os campos do saber; hoje, uma ciência e uma filosofia mais amadurecidas constatam que, em vez de verdades indiscutíveis, restam-nos apenas hipóteses, no mais das vezes, enredadas e embaraçadas em aporias praticamente insolúveis. Assim, o padre Raphael, na trilha dos pensadores que ultrapassam a senda do fracasso dos paradigmas da pós-modernidade, como Umberto Eco e Zygmunt Bauman, procura os rastros do cristianismo no seio da chamada modernidade líquida, em que há uma nova forma de se encarar as relações sociais e o próprio amor. Incluam-se aí também a educação, as relações de capital e trabalho, o próprio casamento e as novas fronteiras nas formas de relacionamento humano.
O Anjo da Morte, que Raphael apresenta aos cristãos deste período de incertezas em que tudo é transitório e solúvel, é outro. Sem rumo, o novo seguidor de Cristo, com os valores postos em dúvida ou até mesmo negados vive o cativeiro da incerteza. Apátrida, num exílio questionador, entre um sonho grandioso, atormentado pela circunstância da rotina que lhe provoca tristeza, diante de um grande medo e muita dor, atormenta-o a incerteza em que tudo parece ter, a cada instância, outro sentido diverso do que parecia ser. Sente-se estrangeiro, estranho, sem rumo. Vive um estado pesaroso entre a dor que lhe fustiga o corpo, a angústia que atormenta o espírito e a tênue luz que vislumbra no horizonte. Situação que lhe exige um constante estado de resiliência.
Sentindo-se o retrato dos desafetos, entre a voz de Eros que lhe abrasa o corpo e a ameaçadora foice de Thanatos, real e tétrica, cuja certeza inexorável enche-lhe a alma de remorsos e culpas, enfrenta um perene estado de ilusão, em que tudo lhe parece reduzir-se de estimulante quimera. Onde estaria a luz que lhe apontaram um dia? Thanatos atormenta-o como o eterno não ser, a porta para o nada. Habitado pela liquidez do presente, que aponta para o sem sentido, corre o risco de se tornar errante e perder-se. Onde encontrar, então, o horizonte em que brilhava a indubitável imagem da fé? Qual é, agora, a dimensão escatológica destes versos? Diante da realidade presente, o ser humano sente-se velho, não tendo provocado nenhuma transformação. Repete a vida dos antepassados. Essa conscientização agrava sua dor. Provocado pela necessidade de mudança, encontra o inferno na face do outro que o interpela e provoca. Instaura-se no espírito e na sociedade a briga fratricida.
Numa circunstância inesperada, a visita da morte, torna-o mais frágil e cambaleante, sob o fardo das próprias misérias cotidianas. A morte nada lhe dá, nada lhe tira. Desnuda-o apenas. Os ideais terráqueos: plantar, ter filhos, deixar um livro para a posteridade. Tudo isso, absolutamente tudo, perde o sentido nessa transitoriedade inevitável, inadiável, cega, muda e pesadamente real. Diante do cadáver, a fugacidade. Tudo o mais é Vanitas, vanitatis et omnia vanitas, constata o sábio rei Salomão.
Por fim, o fim, o inevitável diante de uma história de diálogos com a própria história. Raphael propõe uma nova perspectiva de encarar a morte para o cristão. Enquanto a maioria dos filósofos da modernidade líquida encara a maturidade existencial como um modo de conviver estoicamente com a finitude inarredável e definitiva, nosso sacerdote aponta para a morte como um novo recomeçar na luz. Sempre uma senda a ser perseguida como eterna descoberta renovadora e fecunda, constantemente inacabada e instável. Assim, sem desconsiderar o desconforto, o sofrimento e a imensa dor que o cidadão da modernidade líquida enfrenta, o autor aponta para a luz que vai para além do passamento pelo limite da existência terrestre numa parousia, fundada na dimensão escatológica da existência
Oscar Luiz Brizolara
O Anjo da Morte
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DOI: 10.22533/at.ed.063220605
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ISBN: 978-65-258-0106-3
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Palavras-chave: 1. Poesia. 2. Literatura brasileira. I. Pinto, Raphael Colvara. II. Título.
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Ano: 2022