O advogado suicidado marcas da ditadura militar no norte do Paraná
Publicado em 08 de julho de 2023.
Diante de um retrocesso significativo da vivência da cidadania no país e do surgimento
de segmentos sociais que defendem abertamente a implantação de uma ditadura no país, a
publicação de um trabalho que procura ampliar o entendimento da repressão, da violência
e das arbitrariedades cometidas em um dos períodos mais sombrios da história do país é
bastante oportuno, necessário e pertinente.
O livro que vem a público de Daniel Sartori Borges é resultado da dissertação
de mestrado intitulada Marcas da ditadura militar no Norte do Paraná: a prisão e morte
de Henrique Ornellas, defendida no Programa de Pós-graduação em História Social, da
Universidade Estadual de Londrina. Com o intuito de atingir um público mais amplo o
trabalho passou por algumas adaptações, com mudanças e redução de partes para que a
escrita ficasse mais fluída e dinâmica.
A presente pesquisa traz uma contribuição para o entendimento do funcionamento
da ditadura militar, à medida que faz uma análise sobre a ação dos agentes da repressão
em uma pequena cidade, localizada no norte do Paraná, contra um advogado criminalista
que não tinha qualquer ligação com os grupos de esquerda, mas foi acusado de subversivo.
Com as reflexões de Daniel Borges podemos entender como as leis de segurança
nacional foram utilizadas para o desencadeamento de uma perseguição generalizada no
período mais ameaçador da ditadura. Sua pesquisa mostra de que maneira um advogado
criminalista qualificado pelos órgãos da repressão e também pela imprensa como um
“defensor de marginais”, transformou-se em um inimigo do sistema.
Este trabalho se inscreve nos estudos que procuram renovar as abordagens sobres
governos autoritários, tendo em vista que vai além das análises que se circunscreveram às
ações repressivas contra grupos opositores à ditadura militar. Ao focar o caso de Ornellas,
que foi preso por agentes da Polícia Federal e do Exército no interior do Paraná, levado para
Brasília em avião da FAB e, depois de ter sido colocado numa cela, foi encontrado morto
dois dias depois, permite o entendimento de novos aspectos sobre a repressão e a violência
durante o período que os militares ocuparam o poder. Permite, por exemplo, entendermos
como os órgãos de repressão e o envolvimento de autoridades locais atuaram em cidades
do interior, atingindo a vida de pessoas comuns. Justamente por direcionar seu olhar para
um episódio que levou a morte um advogado criminalista, custodiado pelo Estado na capital
federal, seu trabalho mostra a vida de pessoas que não foram eternizadas nos livros, não
foram consideradas protagonistas na luta contra a violência e arbitrariedades promovidas
pelos órgãos repressivos, mas também vivenciaram os horrores da ditadura militar.
Para o encaminhamento da pesquisa, os Autos Findos 454, de 1973, documentação
fornecida pelo Supremo Tribunal Militar, constituiu-se no principal documento que deu
suporte à pesquisa. Além dessa fonte, o material produzido pela sociedade civil, como
notícias de jornais, que faz parte da documentação levantada pela Comissão Nacional
da Verdade (CNV), permitiu ampliar a compressão sobre todo o episódio que envolveu a
prisão e a morte de um advogado criminalista que estava sob a custódia do Estado.
Para situar seu objeto de pesquisa, primeiramente faz uma discussão sobre a
institucionalização do regime militar, dos mecanismos estruturantes do aparato repressor
e seus efeitos em toda a sociedade. Seguindo as premissas de René Remond, de que as
relações de poder estão presentes em toda a articulação da vida social, fez um diálogo com
vários historiadores que se debruçaram sobre o tema da ditadura militar em seus variados
aspectos, e também com pesquisadores de outras áreas, como jornalistas e cientistas
sociais, tal a relevância das discussões realizadas nessas obras.
Para demonstrar como um advogado criminalista foi acusado de subversivo e tido
como inimigo do sistema o trabalho aprofunda a análise da Lei de Segurança Nacional para
justamente mostrar a sua elasticidade e amplitude. Tal norma jurídica, aprovada em 1969,
permite compreender o enrijecimento dos mecanismos de repressão, que fizeram com que
qualquer pessoa pudesse ser tipificada como contrária aos interesses nacionais. Como a
referida lei determinava que toda pessoa era responsável pela segurança nacional, isso
implicava que devia identificar possíveis antagonistas ou inimigas da nação. Uma vez que
não eram facilmente reconhecidas, qualquer pessoa poderia ser considerada perigosa e
inimiga do regime.
No caso Ornellas, por exemplo, a autoridade policial local entendeu que o advogado
criminalista poderia afetar o funcionamento do sistema, tendo em vista que seu trabalho
era defender pessoas vistas como marginais pela sociedade. Portanto, se olharmos com
acuidade nos artigos da LSN notamos que qualquer um poderia ser suspeito ou perigoso,
logo, estar sujeito a ser espionado, seja por órgãos oficiais ou por indivíduos a sua volta,
seja em grandes centros urbanos ou em pequenas cidades do interior do país. Não havia,
portanto, presunção de inocência, pois os critérios para submeter uma determinada pessoa
ao cárcere não seguia o ritmo processual, pois se prendia para depois averiguar aqueles
que eram considerados inimigos, estranhos ou antagonistas.
Como as leis de segurança nacional não seguiam o princípio da presunção de
inocência, na última parte do trabalho Daniel Borges se volta para analisar especificamente
os Autos Findos e avançar no entendimento do episódio de Ornellas. Ao progredir em suas
reflexões vai ficando claro como os órgãos de repressão usaram a elasticidade das leis de
segurança nacional para deter pessoas suspeitas de crimes comuns. Contudo, o delegado
da cidade, em depoimento, faz questão de assinalar que os acusados têm ligações com
atividades comunistas e que são advogados de má fama.
A partir de relatórios produzidos pela Polícia Federal, aparece um rol de 500
acusados. Embora a atenção se volte para Ornellas com inúmeras acusações, não há
nenhuma indicação de que ele estava envolvido com organizações de esquerda. No
depoimento de um dos agentes da repressão fica claro que o sistema não estava focado
somente nos opositores políticos, tendo em vista que ao passar pela região norte do Paraná
assinalou que os advogados acusados tinham ligações com marginais e isso atestava que
eram pessoas de mau caráter, logo, não poderiam estar isentos de culpabilidade.
A condição de Ornellas, de ser um “defensor de marginais”, foi suficiente para ser
considerado suspeito, ser alvo de uma ação dos órgãos da repressão, ser levado para
Brasília, ser preso e depois aparecer morto na cela de forma controversa. Demonstrase
que, com a elasticidade da Lei de Segurança Nacional, pessoas acusadas de delitos
comuns passaram a ser alvos de ações mais severas. Da mesma forma que os opositores
políticos do regime, a partir da nova norma jurídica, elas poderiam ser consideradas como
inimigas da pátria e estarem sujeitas a todos os tipos de arbitrariedades e violências.
Daniel Borges contribui para ampliarmos o entendimento da ditadura militar quando
reflete sobre as controversas da prisão e morte de um advogado criminalista nos porões dos
órgãos repressivos na capital federal. Além disso, a perspectiva de que as ações tiveram
como foco uma pequena cidade no norte do Paraná nos permite lançar um novo olhar sobre
como funcionam os regimes autoritários.
Convido-os a leitura!
Rivail Rolim
O advogado suicidado marcas da ditadura militar no norte do Paraná
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DOI: 10.22533/at.ed.865230707
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ISBN: 978-65-258-1486-5
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Palavras-chave: 1. Ditadura - Brasil. I. Borges, Daniel Sartori. II. Título.
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Ano: 2023
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Número de páginas: 115