Introdução aos Clássicos da Sociologia: O Estado e o Direito
Sempre relutei escrever prefácios, entendendo serem desnecessários por dois motivos. Primeiro, pelo receio de concorrer com o leitor na sua escolha particularíssima, portanto livre de qualquer indicação, muitas vezes subvalorizada por críticos de plantão, ou hipervalorizada por mau leitor, especialmente os bajuladores à caça de prestígio e posição em revistas especializadas, e segundo, por entender que a leitura de uma obra não precisa de recomendação a priori de qualquer natureza. Na maioria dessas é até prejudicial, na medida em que, sendo também resultado de uma leitura particular, se vê incapaz de sublinhar o mínimo de questões ou impressões de sentido suscitadas no texto lido, ou quando a ´leitura´ desconhece suas qualidades intrínsecas, reportando reiteradamente apenas aos defeitos. Não é uma tarefa fácil. A leitura disciplinada é pacientemente exigente de concentração e objetivo, conferindo ao leitor, que assim procede, alguns resultados previsíveis e outros inesperados.
O livro em apreço, Introdução aos clássicos da Sociologia - o Estado e o Direito, de Gabriel Eidelwein Silveira dispensa minha recomendação. É, por si, recomendável àqueles leitores que se dispõem de vontade e interesse na compreensão das relações estruturantes entre o Estado e o Direito, na modernidade contemporânea, a partir de uma ´leitura introdutória` não simplista dos clássicos da Sociologia.
Em respeito ao tempo do leitor, não me deterei em destacar as lacunas que o texto possa ter como todo livro introdutório. Mas em sublinhar os aspectos que considero mais importantes, os quais possam estimular o leitor, à medida que avança seu itinerário, a manter seu ritmo de interesse, ainda que diferentemente do texto literário, aquele, do campo científico demanda também a fluência objetiva e genérica do bom texto. O bom leitor saberá encontrar as “ideias no lugar”. Evidente que todo bom texto tem o propósito de facilitar tal busca. Assim foi a primeira impressão quando li o texto deste autor. Tornou-se comum dizer que o mérito de alguns poucos tipos de livros esteja exatamente nestes que não oferecem respostas prontas e acabadas, na maioria tediosas, mas seja portador de uma base teórica suficiente para elaboração de novas questões. O presente livro de Gabriel E. Silveira contempla essa categoria. O livro verdadeiro cria leitores independentes, não seguidores.
Inúmeras são as qualidades deste livro. Começo por realçar a forma como o autor ousa fazer do insosso discurso acadêmico, tornando-o palatável sem descambar para a prosa simplória e persuasiva de caixeiro-viajante, mas, com cuidadosa objetividade, envida seus esforços heurísticos de forma brilhante ao explanar e compreender o percurso histórico e epistemológico da sociologia como ciência moderna.
A vivência do autor no ensino e pesquisa está demonstrada na sua capacidade e habilidade de articular suas argumentações e tecer abordagens gerais sobre as contribuições dos clássicos da Sociologia (Durkheim, Weber e Marx) e do ‘clássico’ mais próximo de nós, Bourdieu (herdeiro crítico-eclético dessa tradição), quanto às questões gerais/específicas e os temas da modernidade propostas por aqueles.
O autor destaca os autores antecedentes da Sociologia (Comte, Montesquieu) que têm singular importância histórica e epistemológica para o seu surgimento enquanto disciplina científica. De forma semelhante a esta seção inicial, e os três capítulos dedicados aos autores clássicos, já referidos, com a mesma qualidade reflexiva, comenta as correntes ou tendências teóricas que surgiram no processo de seu desenvolvimento, cujas contribuições de autores de diferentes escolas de pensamento (Escola de Frankfurt, Escola de Budapeste, estrutural-funcionalismo, interacionismo simbólico, entre outras) consolidaram avanços importantes para ciência social no Ocidente. E para os objetivos deste trabalho de introdução aos clássicos, como afirma seu autor, dedica-se de forma mais aprofundada a apresentar o pensamento de Pierre Bourdieu, como um “representante maior da solução ‘sintética’ contemporânea”. O estatuto científico da sociologia vem recentemente ganhando aos poucos o merecido relevo à medida que se descobre, na obra de Pierre Bourdieu, seus inspiradores achados socioantropológicos (as noções de habitus e de campo, p.e.). A propósito dessas noções, Gabriel E. Silveira tece exemplos esclarecedores sobre a dinâmica e a lógica de funcionamento específico do campo jurídico e suas relações desiguais de produção do capital simbólico e reprodução social. “Os veteranos são os guardiões da produção do capital jurídico”, que vigiam, controlam os novatos e os pretendentes a agentes deste campo específico.
O quadro geral de conceitos e/ou noções, desenvolvido neste trabalho, tem a característica singular de informar aos leitores, principalmente àqueles que têm o primeiro contato com a disciplina, o rol de explicações teóricas necessariamente sucintas e precisas sobre a formação e desenvolvimento da sociologia, sem impor uma grade de leitura fechada que venha a impossibilitar uma interpretação aberta ou alternativa do modo como aqueles conceitos foram pensados por seus autores, e que foram, ao longo da história da disciplina e da sociedade, objeto de revisão heurística (teórico-operacional).
Não menos importante, neste ‘roteiro didático’, é a preocupação do autor, ao apresentar um panorama amplo das influências das correntes teóricas contemporâneas, particularmente divergentes entre si, dessa forma suscitando problemas teórico-práticos no desenvolvimento de uma teoria social geral. É oportuno, neste ponto, sublinhar como o autor torna esse ´tempestuoso´ debate do peso da herança sociológica dos clássicos sobre o pensamento social contemporâneo num céu de límpido azul, definindo com a clareza e fluidez que lhe são peculiares, os limites e as possibilidades reflexivas do discurso científico, aparando quando possível as arestas dos condicionamentos ideológicos prevalentes, modos de pensar dogmáticos e hegemônicos, oriundos de determinados contextos históricos do fazer ciência desde a primeira modernidade.
As sucessivas leituras deste texto virão de diferentes origens e, certamente no ensejo de melhorar e ampliar o espectro de suas qualidades, resultarão em novas edições, imprescindíveis ao interesse crescente de leitores, mais conscientes e ativos, na questão da posição que o Estado e o Direito possuem no debate acadêmico e social, no cenário global, nestas duas décadas iniciais do século XXI, que testemunharam rápidas transformações da sociedade.
Em síntese, deixo ao leitor o tempo necessário para as reflexões que porventura hão de vir, tão logo, acompanhadas de registro, anotações coligidas, insights e o debate das ideias no cotidiano do ensino e/ou da pesquisa científica. Neste sentido, este livro é um celeiro repleto de conceitos precisos e consagrados, noções em construção e ideias importantes à compreensão da matriz e das correntes teóricas contemporâneas da sociologia. Talvez ao leitor não seja tarde, para dispor seu precioso tempo e interesse, em converter sua preciosa leitura, não só para estabelecer uma formação mais qualificada de suas opiniões pelo viés sociológico, mas poder, através deste, e associado a outras disciplinas do conhecimento e saberes não-científicos, constituir o repertório necessário para compreender os problemas sociológicos e sociais que tanto desafiaram os pensadores e sociólogos do passado, quanto continuam desafiando os do presente.
Ferdinand Pereira
Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Introdução aos Clássicos da Sociologia: O Estado e o Direito
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DOI: 10.22533/at.ed.331202711
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ISBN: 978-65-5706-633-1
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Palavras-chave: 1. Sociologia. 2. Sociologia geral. 3. Sociologia jurídica. 4. Émile Durkheim (1858-1917). 5. Karl Marx (1818-1883). 6. Max Weber (1864-1920). I. Silveira, Gabriel Eidelwein. II. Título
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Ano: 2020