Ebook - Histórias do lazer no Brasil (1877-1956)Atena Editora

E-book

1. Lazer - História - Brasil. I. Dias, Cleber (Organizador). II. Ramos, Danilo d...

Livros
capa do ebook Histórias do lazer no Brasil (1877-1956)

Histórias do lazer no Brasil (1877-1956)

Publicado em 19 de abril de 2023.

Em 2015, o Grupo de Pesquisa em História do Lazer foi criado na
Universidade Federal de Minas Gerais. Este livro é uma tentativa de reunir, a
título de síntese parcial e imperfeita, algumas das pesquisas desenvolvidas
nesse período. Naturalmente, diante de atividades que podem com justiça ser
classificadas como intensas, seria impossível reunir em um único volume tudo o
que se fez e produziu ao longo desses oito anos.
Desde o início, a ideia que animava este grupo de pesquisa era tentar
articular esforços investigativos visando colaborar na consolidação da linha de
pesquisa sobre história do lazer que já funcionava desde antes no Programa
de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer. Desde então, vários
estudantes de graduação, mestrado e doutorado se articularam ao redor de um
pequeno conjunto de questões comuns e compartilhadas. Basicamente, essas
questões diziam respeito aos principais elementos que poderiam explicar o
desenvolvimento histórico do lazer no Brasil. Tarefa ambiciosa, como se vê, mas
também estimulante.
Grosso modo, ao longo desses anos, houve apenas duas condições
fundamentais para que um projeto de pesquisa fosse assimilado nesse grupo:
era preciso ter uma ou mais séries documentais como base empírica, além do
assunto a ser investigado guardar algum grau de interlocução com àquela questão
geral que mobilizava o grupo como um todo. Com efeito, havia mesmo – e na
verdade há ainda – um certo empirismo na abordagem adotada nesse grupo. Em
grande parte, isso se deve a indisposições com relação ao que Pierre Bordieu
chamou um dia de “engenhocas de laboratório”, isto é, a crença fantasiosa de
que o trabalho nas ciências sociais pode se processar por meio de fórmulas
teóricas pré-estabelecidas. Em sentido contrário a esta crença, a direção que
tentamos seguir tem sido a de que o empreendimento investigativo se faz por
experimentação e erro, em meio a uma dinâmica incerta e cujos resultados são,
por princípio, desconhecidos a priori. Nesse processo, a descrição detalhada
e verossímil, baseada nas fontes reunidas por meio do laborioso trabalho nos
arquivos, é o tribunal mais adequado e inapelável para toda pesquisa histórica.
Com perdas e ganhos, assim se processaram várias pesquisas
desenvolvidas nesse ambiente: estabelecia-se muito genericamente uma ou
mais práticas de lazer a serem investigadas, tais como o cinema, o teatro, as
danças, os esportes, a leitura, as festas religiosas ou outras quaisquer, dentro
de um certo período e em uma região determinada. Em seguida, buscava-se
documentos com informações sobre o assunto. Caso a busca por documentos
fosse infrutífera, o que eventualmente aconteceu, redefinia-se o assunto com
base na disponibilidade documental, tomando como critério a manutenção da
região ou da prática de lazer específica, conforme o caso. Finalmente, de posse
de um punhado de fontes, que deveriam ser na maior quantidade possível,
tentava-se identificar, a partir das próprias fontes, questões que parecessem
relevantes, especialmente à luz daquela agenda genérica que animava o grupo
como um todo. Trata-se de uma abordagem simples e um tanto intuitiva, senão
até rudimentar, mas que ainda assim guarda suas vantagens e virtudes.
Havia no esforço empírico desse grupo uma ênfase especificamente
regional sobre diferentes porções do Brasil, ainda que nossas discussões teóricas
e bibliográficas nunca tenham abdicado de contrastes e comparações de ordem
nacional ou mesmo internacional. Além disso, segundo uma definição frouxa que
de certo modo orientou, no mais das vezes implicitamente, as discussões desse
grupo, lazer era entendido tão somente como um modo de se usufruir o tempo
fora do trabalho, para além ou para aquém, dependendo do ponto de vista, das
muitas abstrações conceituais que cercam o termo.
Apesar dessas orientações gerais e desse chão comum, cada qual
envolvido nesse esforço ofereceu sua própria contribuição ao estudo da história
do lazer. Práticas específicas como o futebol, o ciclismo, a religião, o teatro ou
cinema, em regiões específicas e em períodos diversos, foram examinadas com
certa riqueza de detalhes. Apesar da diversidade temporal dos períodos a que
esses projetos se dedicaram, havia sempre um universo temporal comum, que
oscilou entre o fim do século XIX e os meados do século XX, tal como refletido
neste livro. Mais que tudo, cada um apelou a uma plêiade bastante heterogênea
de autores para estabelecer um “referencial teórico”, muito embora o próprio uso
da expressão e do que ela acarreta seja objeto de controversa dentro do grupo. A
despeito das controvérsias, cada qual realizou suas próprias escolhas, boas ou
más. Assim, alguns apelaram para a “teoria do associativismo”, enquanto outros
recorreram a “teoria dos campos”, entre outros modismos teóricos.
Avaliando em retrospecto, esse ecletismo talvez tenha diminuído um
pouco da potência e do alcance dos resultados e conclusões de cada uma das
nossas pesquisas. Todavia, uma orientação mais rígida e com mais pretensões
de “coerência” teria prejudicado dois elementos que podem ser considerados dos
mais importantes para uma atividade intelectual plena, verdadeira e prazerosa:
de um lado, a liberdade criativa sem a qual qualquer inovação é impossível, e,
de outro, o deleite com a controvérsia e com o debate perpétuo como um fim em
si mesmo.
Tomar a pesquisa como uma atividade prazerosa sempre esteve no
horizonte epistemológico do Grupo de Pesquisa em História do Lazer. No limite,
visto de modo mais profundo e para além das aparências superficiais, esta sim
fora a coerência fundamental que esse grupo de pesquisa sempre perseguiu
e no que acreditamos termos sido ao menos parcialmente bem-sucedidos.
Ninguém nunca fora obrigado, nem sequer sutilmente coagido, como por
vezes ocorre, a participar dos encontros desse grupo de pesquisa. As portas
sempre estiveram abertas para todos que quisessem entrar, mas também para
aqueles que quisessem sair. Não por acaso, houve momentos em que tais
encontros estiveram bastante esvaziados, a ponto de decidirmos suspende-los
temporariamente. Nossa história não é pontilhada apenas por realizações bemsucedidas.
Também houve erros e fracassos.
Nossos objetivos e estratégias, se é que podemos dizer assim, foram se
constituindo de forma bastante errática e experimental, reproduzindo, de certo
modo, uma das características mais marcantes da própria aventura da atividade
de pesquisa. É difícil afirmar que descrever a história de um grupo de pesquisa
nesses termos seja algo belo ou honroso. Talvez fosse mais glamoroso dizer
que perseguimos diligentemente metas acadêmicas definidas de modo claro
por meio de uma reflexão sistemática e um planejamento minucioso. Embora
talvez mais glamorosa, uma descrição assim certamente seria inverídica diante
da nossa história, dos nossos costumes e das nossas decisões, turbulentas,
conflituosas e contraditórias.
O resultado final disso tudo, porém, enche-nos de orgulho, com ou sem
razão, os leitores logo poderão decidir. A despeito das dimensões propriamente
acadêmicas, contudo, os laços afetivos que foram tecidos ao longo desse
processo são certamente motivos de júbilo e alegria. Eventualmente,
concordamos com algumas poucas ideias que apresentamos uns aos outros.
Muitas vezes ou quase sempre discordamos enfaticamente daquilo mesmo que
nos reunia ali. Tudo isso, porém, apenas serviu de pretexto para criar entre nós
um vínculo a mais.
Em termos mais estritamente acadêmicos, sobretudo se visto em
conjunto com o volume recém-publicado sobre a “história das indústrias culturais
em Minas Gerias” (editora Mercado das Letras), este livro resume bem o que
fora uma parte relevante desses últimos oito anos: pesquisas sobre a história
de diferentes práticas de lazer entre o fim do século XIX e os meados do século
XX, enfatizando, especialmente, a economia política da cultura. No capítulo 1,
Danilo da Silva Ramos e Fábio Santana Nunes estudam diversas práticas de
divertimentos em Salvador e em Feira de Santana, na Bahia, entre 1877 e 1907.
Mais especificamente, examinando jornais publicados nessas duas cidades no
período, os autores revelam a relativa diversidade de práticas que compunham
os cotidianos dessas duas localidades, bem como o modo parcial e seletivo
como elites locais classificavam esses universos, de acordo, fundamentalmente,
com os grupos sociais que os protagonizavam. Com um evidente recorte de
classe e também de raça, bailes dançantes em residências de membros da
elite geralmente branca, por exemplo, eram afirmados nos jornais locais como
símbolos incontornáveis de progresso e civilidade, enquanto sambas e batuques
em bairros predominantemente ocupados por pobres e negros, de outro modo,
eram logo classificados como bárbaros e incivilizados.
No capítulo 2, Cleber Dias e Marcial Cotes estudam os esportes e o
lazer em Ilhéus, também na Bahia, a partir dos anos finais do século XIX, mas
sobretudo ao longo das três primeiras décadas do século XX. O modo como
se desenvolveram os esportes e o lazer na cidade de Ilhéus nesse período,
conforme exibem os autores, oferece um caso privilegiado para refletir sobre as
relações entre o lazer e o desenvolvimento econômico. Nesse período, Ilhéus
se tornou uma das cidades economicamente mais prósperas da Bahia, graças à
exploração do cacau. Tal prosperidade, entretanto, não encontrou equivalências
na vida social da cidade. Na verdade, mesmo cidades da Bahia em teoria menos
prósperas, para não mencionar as de outras regiões, conforme comparações
apresentadas pelos autores evidenciam, desenvolveram estruturas de oferta e
consumo comercial de lazer mais sólidas e abrangentes do que Ilhéus. Nesse
contexto, o estudo sobre Ilhéus permite formular algumas hipóteses explicativas
para as razões desse relativo fracasso.
No capítulo 3, Cleber Dias e Elisa Salgado de Souza examinam o ciclismo
em Manaus na transição entre os séculos XIX e XX. De modo semelhante ao que
ocorreu em Ilhéus, Manaus também viveu nessa época um surto de expansão
econômica, motivado, nesse caso, pela exploração da borracha. Também de
modo semelhante a Ilhéus, embora talvez de modo um pouco menos agudo,
os reflexos dessa expansão econômica não encontraram correspondência
perfeita na esfera do lazer e da cultura. Apesar da diversificação da estrutura
de lazer comercial de Manaus que se processou no período, havia ainda
notável precariedade. O ocaso diante de um empreendimento comercial como o
velódromo, edificado para corridas de bicicleta e afinal incapaz de se sustentar
economicamente diante da concorrência com um hipódromo, construído pouco
depois para dedicar-se às corridas de cavalo, revela as limitações que cercavam
o mercado consumidor da cidade nesse período.
No capítulo 4, Verônica Toledo Ferreira de Carvalho examina as diversões
públicas em Ouro Preto no final do século XIX. Mais especificamente, o carnaval,
as festas cívicas e religiosas, além de outras atividades lúdicas fora do ambiente
doméstico são examinados pela autora. Desta vez, menos do que relações
entre os modos de vivenciar o tempo livre e as transformações econômicas na
estrutura produtiva, o estudo de Carvalho sublinha a escala de valores, sobretudo
das elites locais, que presidia o elogio ou a celebração de diferentes práticas de
lazer em Ouro Preto naquele período. Tal como registrado em inúmeras cidades
brasileiras do período, as elites políticas e intelectuais de Ouro Preto, nessa
época empenharam-se na promoção de reformas urbanas de modernização
da cidade. Nesse contexto, a reforma dos costumes era uma contrapartida, no
campo do lazer e da cultura, desse mesmo ímpeto modernizador.
No capítulo 5, Andreza Gonsalez Rodrigues Mota analisa as diversões
em Belo Horizonte em princípios do século XX, sobretudo, o teatro, o cinema
e o carnaval. Edificada para ser a nova capital de Minas Gerais nos últimos
anos do século XIX, em lugar, justamente, da colonial cidade de Ouro Preto,
Belo Horizonte era a expressão acabada das aspirações modernizadores
dessas elites regionais. Tais aspirações, além disso, não estavam restritas aos
âmbitos arquitetônicos e urbanísticos, com suas ruas largas e alinhadas, que
dramatizavam, já no plano físico da cidade, as vogas e modismos mais atuais
daquele período. Também no plano cultural e dos costumes, havia um feixe de
expectativas modernizadoras com relação à vida social de Belo Horizonte, que
este capítulo analisa.
No capítulo 6, Romilda Aparecida Lopes investiga o carnaval de rua em
Juiz de Fora entre as décadas de 1930 e 1950. Com efeito, a década de 1930
viu uma espécie de escalada na politização das esferas da cultura, quando a
crescente centralização política e econômica exercida pelos governos de Getúlio
Vargas estruturam uma série de iniciativas sistemáticas para o campo do lazer
e da cultura. Além de jogar sobre este aspecto político, o estudo de Lopes neste
capítulo amplia o universo documental usualmente tomado para a análise da
história do lazer, incorporando os filmes como uma valiosa fonte de pesquisa,
mas também como um objeto propriamente dito, uma vez que os cinejornais
tomados para análise pela autora eram parte de uma forma de ocupação do
tempo livre no período – os cinemas –, ao mesmo tempo em que retratavam em
seus enredos o universo recreativo cotidiano.
No capítulo 7, Vitor Lucas de Faria Pessoa e Cleber Dias analisam a
mobilização associativa de estudantes de cursos superior em favor do esporte
universitário no Rio de Janeiro ao longo da década de 1930. Em particular, o
capítulo se dedica a analisar os componentes simbólicos de que eram revestidos
os esportes entre estudantes universitários no período e o modo como tais
símbolos foram utilizados politicamente. Como um relevante aspecto da cultura
lúdica e associativa não apenas de estudantes de instituições de nível superior
no período, os esportes, em geral, e também os esportes universitários, em
particular, se entrelaçaram fortemente com a política ao longo da década de
1930.
No capítulo 8, Jean Carlo Ribeiro examina o modo como os esportes
figuraram nos processos de construção de Goiânia. Aqui também, os esportes
foram abertamente mobilizados como recurso simbólico para a política, a fim
de sedimentar certas representações que se pretendiam para a elite de Goiás
que tomara o poder regional em 1930, bem como para suas iniciativas, uma das
quais, das mais relevantes, fora a construção de Goiânia. O empenho com que
essas elites se dedicaram à promoção de práticas esportivas, bem como para
divulgação de suas realizações nesse campo, já evidencia a relevância social
e simbólica que essa esfera de atividades ocupava no imaginário político do
período, conforme bem demonstra o autor.
****
A publicação deste volume foi financiada com recursos financeiros
da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes). O
colegiado do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer
apoiou sem hesitar a proposta de destinar parte dos recursos do curso para
esta publicação. Com efeito, as diferentes gestões do colegiado do Programa
de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer que se sucederam ao
longo desses anos têm sido esteios incansáveis e generosos às iniciativas do
Grupo de Pesquisa em História do Lazer, apoiando-as materialmente, sobretudo
com bolsas, mas eventualmente com outras fontes de recursos. Só podemos
agradecer e seguir nos esforçando para fazer jus a essa confiança e a esses
investimentos.
Cleber Dias
Danilo da Silva Ramos
Vitor Lucas de Faria Pessoa

Ler mais

Histórias do lazer no Brasil (1877-1956)

  • DOI: 10.22533/at.ed.997231904

  • ISBN: 978-65-258-1099-7

  • Palavras-chave: 1. Lazer - História - Brasil. I. Dias, Cleber (Organizador). II. Ramos, Danilo da Silva (Organizador). III. Pessoa, Vitor Lucas de Faria (Organizador). IV. Título.

  • Ano: 2023

  • Número de páginas: 172

Fale conosco Whatsapp