Publicado em 22 de maio de 2023.

O projeto de elaborar esse guia foi o primeiro que cadastrei na Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), em 2018, quando ingressei como professora. Um projeto de extensão, com participação das peixeiras e peixeiros, como se autointitulam as vendedoras e vendedores de peixes de Monte Alegre, a quem tenho máximo respeito, reconhecimento e gratidão.
Ao longo de seu desenvolvimento, o projeto sempre contou com o protagonismo dos alunos, desde a realização de entrevistas com as peixeiras e peixeiros, por meio das quais fizemos o levantamento dos peixes vendidos nas feiras e mercado de Monte Alegre. Foram os alunos que fizeram várias das imagens que trazemos nessa publicação e que conceberam a maior parte do texto.
Além disso, a curricularização da extensão na universidade impulsionou a oferta de mais componentes curriculares extensionistas, dentro dos quais os alunos puderam apresentar o material preliminar em comunidades ribeirinhas, como em Aldeia, Cuçarú e Curicaca, em conjunto com outros projetos abordando o tema do Defeso, ações essas que oportunizaram a coleta de contribuições dos membros daquelas comunidades, para o aprimoramento da publicação. Nessas ocasiões percebíamos o quanto o guia seria bem recebido, com os participantes sempre demonstrando muito interesse pelo material apresentado. Viam registrados peixes que fazem parte de sua rotina, como principal item na alimentação, como importante recurso para garantia de renda, através da pesca artesanal e ainda como elemento principal em momentos de lazer, na pesca recreativa, tão presente na tradição ribeirinha, que também consiste num importante mecanismo de transmissão dos saberes tradicionais, de geração a geração. Os comunitários generosamente compartilhavam suas experiências e estórias com aqueles peixes, apontavam nomes populares e queriam saber os nomes científicos.
Durante o projeto, foram feitas apresentações pelos alunos também em eventos acadêmicos, com produção de resumos, exposição de fotos, mostra audiovisual, esta última oportunizando a participação de um aluno do projeto em uma entrevista de TV. Mas considero que o mais importante em todo esse tempo de projeto, foi a rede colaborativa entre a Universidade e a Comunidade, que convergiu para entregarmos esse livro.
Foram cinco anos de cooperação, tempo necessário para que a relação entre a Universidade, através do Campus de Monte Alegre, e a Comunidade, principalmente por meio das peixeiras e peixeiros, fosse estreitando, amadurecendo e se transformando em confiança e parceria, imprescindíveis para concretizar essa publicação.
Para retratar essa construção conjunta, eu poderia mencionar diversos momentos ao longo desse tempo, mas vou relatar um dos que considero mais simbólicos. Certo dia, numa quarta-feira, recebi, as 06:28h, a seguinte mensagem: “Bom dia, consegui um Jaú!” Era seu Ricardo, um dos peixeiros colaboradores do projeto, que atua no mercado da Cidade Baixa. Ele sabia que eu estava há tempos precisando de uma boa imagem desse bagre para incluir no catálogo. Ao ligar para ele, seu Ricardo disse que o Jaú estava me aguardando! Cheguei lá, abril chuvoso, o rio cheio, ameaçando molhar os pés dos muitos consumidores presentes aquele dia no Mercado do Peixe Pedro Lira. Na ocasião, a maioria dos peixes havia saído do Defeso, a Doença da Urina Preta tinha dado trégua e era Semana Santa, após um longo período de pandemia... o mercado estava movimentado e com aquela característica diversidade de espécies ofertadas. Uma beleza! Fui direto à banca do seu Ricardo, que prontamente foi carregando o Jaú para o balcão ao lado, onde eu pudesse fazer o registro fotográfico do peixe. Um Jaú, lindo! Mais ainda porque foi pego por uma pescadora que era ninguém menos que a mãe de seu Ricardo! Era a imagem que faltava para fecharmos as espécies comercializadas em Monte Alegre. Não podíamos finalizar os registros para o projeto de forma mais especial! Vivências e elos que a extensão universitária proporciona e que só podem resultar num material como esse, rico de conhecimento e de significado.Nesse guia incluímos, além das imagens, informações gerais sobre a biologia das espécies que são ofertadas no comércio de peixes em Monte Alegre, sua classificação taxonômica, características de seu ambiente natural e sua distribuição geográfica. O material também aponta as espécies que entram no Defeso na região do Baixo Amazonas, e quais delas apresentam potencial para cultivo, seja para fins de consumo na alimentação humana, seja como espécies ornamentais. Assim, esse livro é destinado a toda a comunidade, especialmente aqueles que estudam sobre peixes, aqueles que praticam a pesca e aquicultura ou que se interessam por essas atividades, aos que apreciam a culinária à base de peixes de água doce, aos que tem os peixes no seu cotidiano de alguma forma.
Destaco que ao realizar buscas de imagens e dados em sites oficiais, acerca de várias das espécies que constam aqui, os resultados são limitados, por isso, esperamos que esse material atue como um veículo de informação acessível sobre espécies de peixes amazônicas. Além disso, esse guia representa um registro desse que é um importante recurso da cultura alimentar amazônica, e ainda, ele é a expressão de como acreditamos que o conhecimento deve ser construído, de forma democrática, com e para a comunidade, numa via de mão-dupla.
Ivana Veneza
Coordenadora do projeto.
Professora da Ufopa – Campus de Monte Alegre.