Publicado em 16 de janeiro de 2024.

Em uma passagem da obra Vita di Dante (1436), Leonardo Bruni descreve
a gravitas do poeta florentino, reconhecendo que ele foi um homem de uma
estatura decente, de grave aspecto, preciso em suas palavras e respostas. No
campo das artes, era versado nos rudimentos da música, no desenho e nas
letras, e sua poesia e caligrafia eram perfeitas e corretas. Bruni reconhece esses
aspectos nas obras de Dante, amplamente citadas em toda a Vita, e nas diversas
cartas escritas por ele (2013, p. 834):
“Fu ancora scrittore perfetto, et era la lettera sua magra et lunga
et molto corretta, secondo io ho veduto in alcune epistole di sua
propria mano scritte.”
Esse testemunho, ao lado de diversos outros do período, como os de
Boccaccio, Giammario Fidelfo e Giovanni Villani (cf. Jacomuzzi, 1983, p. 326),
por exemplo, sugerem que a prática epistolar era comum para o poeta florentino.
Entretanto, pouca parte desta produção chegou até nós: desse amplo número
de cartas escritas, restaram completas apenas treze, distribuídas em um largo
espaço temporal da vida de Dante. Não seria imprudente, desta forma, repensar
à importância desses documentos, dado que o poeta da Comédia é também o
autor de obras de grande envergadura, como a Vita Nuova, a poesia lírica, o De
Vulgari Eloquentia, o Convívio, a Monarchia, em língua vulgar e latina.
As epístolas não seriam, a nosso ver, um conjunto de obras menores,
epíteto que costuma-se atribuir nas modernas edições; ao contrário, elas
apresentam aspectos fundamentais da vida do poeta, articulando à política, às
letras e à filosofia de seu tempo. Ao lado da prática poética, Dante se relacionou
com os principais acontecimentos de seu tempo, especialmente nos embates
entre o Império e o Papado. Vale destacar que a leitura da obra latina menor
de Dante também é de tradição recente na crítica e filologia italianas: até o
século XIX foram poucas as edições completas. Por fim, a tradução e edição das
epístolas do poeta florentino nos parecem fundamentais para a compreensão
da prática epistolar do século XIV italiano. Dito isto, dividiremos nossa breve
introdução dessa edição em três blocos centrais: o primeiro, que traça algumas
considerações sobre o gênero epistolar, na antiguidade e na Idade Média; em
seguida, trataremos das preceptivas italianas, fundamentais para a compreensão
do gênero; e, por fim, falaremos mais amplamentedas epístolas de Dante,
apontando possíveis divisões e classificações.