Crônicas da Pan-Amazônia
Publicado em 02 de junho de 2022.
Era uma vez um suntuoso verde que sobrevivia no altívolo da natureza caudalosa. As árvores não eram ceifadas, os varadouros não eram cerceados, a exuberância verdejante não cessava e a dadivosa mata continuava a abrir suas janelas imaginárias para que o diáfano divino adentrasse silenciosamente e iluminasse a sua beleza maternal.
Embevecida pelo encadeamento arraigado de suas coletividades originárias, a verde mata continuava maviosa na sua magnitude imponente e originalmente aprazível na concatenação iniludível com seus atores sociais.
Na estesia colossal e briosa de sua benevolência, a fabulosa mata não perdia seu esplendor e continuava impoluta no seu imensurável mundo singular, plural e holístico. Na sua peculiar contemplação, enquanto estava sob a proteção de seus guardiães originais, ela lhes proporcionava uma moradia salutar, desmesurada e devaneante, como uma forma sublime e telúrica de manter a sua exuberância cósmica, transcendentalmente entranhada ao ser de cada coletividade que divinalmente a exaltasse numa dimensão cosmogônica e harmoniosa entre o homem e a natureza.
Mas a verde mata foi facciosamente sendo enclausurada pela sociedade envolvente, seus guardiães foram sendo ludibriados, o sol transformou-se num pai causticante, a terra mãe, sem comiseração, foi posta em estado de coerção, e a contumácia humana em estado debelatório e possuída por um malévolo desatino, provocou o descalabro desditoso do sagrado lar da verde mata.
A descomedida consciência humana em seu ato desvairado, anunciou um embate enrijecido e um ódio profundo pela natureza e pelas coletividades originárias e tradicionais da estetizante e virtuosa alma amazônica. O abrutamento exacerbado do homem no ápice de sua ignorância, dilacerou o relacionamento devaneante da memória coletiva com as encantarias florestais da dimensão cósmica divinal.
Esmaecida diante da aversão humana, a verde mata tombava agonizando, como que abdicando à sua opulência majestosa. Seus guardiães eram criminalmente asfixiados, encurralados, desterritorializados e afrontosamente condenados ao cortejo fúnebre de pesaroso infortúnio. Sem comiseração, nem complacência, a força coercitiva do capital, culminava numa debilitação defraudada e degradante das minorias sociais excludentes e de seus tradicionais modos de vida.
O delituoso ato da derrocada humana demonstrava com clarividência a estagnação tendenciosa de um estado desmoralizante e a sua visível discrepância em atuar na defesa dos direitos das classes marginalizadas da floresta em decadência.
O advento do ecocídio e do etnocídio de coletividades ancestrais, só reforça o intrigante embuste de um poder público que precisa urgentemente ser repensado, desemperrando suas ações e dinamizando na forma da lei, o enfrentamento à essas práticas genocidas e reacionárias que maculam de forma aviltante a nossa respeitosa carta magna.
Se a empáfia esdrúxula e criminosa de setores da sociedade envolvente, provocou a morte da verde mata e matou seus autênticos guardiães, certamente, os nossos direitos, eles nunca matarão.
Crônicas da Pan-Amazônia
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DOI: 10.22533/at.ed.466220206
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ISBN: 978-65-258-0246-6
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Palavras-chave: 1. Crônica. 2. Literatura brasileira. I. Santana, Francisco Marquelino. II. Título.
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Ano: 2022