Publicado em 03 de maio de 2023.

A Nova Mazagão, construída em meio à selva às margens do Rio Mutuacá, fora destinada a
receber a população descendente de antigos cruzados que, na segunda metade do século
XVIII mantinham a última colônia portuguesa no norte da África: Mazagão. Impossibilitados
de resistir ao longo cerco a que foram submetidos, restou à coroa portuguesa resgatá-los
por mar. Na América portuguesa, estava em desenvolvimento o plano que garantiria o uti
possidetis da terra, e a Amazônia carecia de povoadores, da defesa da entrada do Rio das
Amazonas. A Nova Mazagão, acolhendo aos mazaganenses atendia a dois propósitos:
assentar a população em êxodo, e propiciar novos elementos para a defesa da Amazônia. Os
trabalhos de prospecção realizados na área da antiga Nova Mazagão, em especial no entorno
das ruínas de antiga igreja localizada fora da área ocupada pelo atual povoado de Mazagão
Velho, no município de Mazagão-AP, possibilitaram a localização de remanescentes humanos
associados a estruturas funerárias existentes no local. A existência de estruturas funerárias no
entorno e no interior de uma unidade religiosa cristã, como é o caso desta igreja, um templo
católico setecentista, reflete uma prática normal que perdurou até a criação dos cemitérios
públicos em 1850. A pesquisa arqueológica permitiu identificar que se tratava de uma igreja
na área da Vila setecentista. Por seu posicionamento na praça maior, onde se instalava o
pelourinho, muito provavelmente esta seria a igreja Matriz da Vila. Àquela época as igrejas
desempenhavam um papel social bem mais amplo do que aquele restrito aos rituais de culto.
A função de receber os mortos era uma delas. Assim, tanto no interior da igreja, em sua nave,
em frente aos altares e mesmo na sacristia e no consistório se teria a expectativa de encontrar
restos humanos dos séculos XVIII e talvez mesmo do XIX. E não só confinado às paredes
da igreja, também no seu entorno (laterais, atrás e mesmo na frente) possivelmente se teria
instalado cemitérios. Este trabalho analisa cada um dos conjuntos funerários ali identificados,
antigos e mais recentes, submetidos ao arruinamento da igreja e à reutilização da área ao
longo do tempo.