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1. Autobiografia - Aspectos psicológicos. 2. Pesquisa. 3. Letramento. 4. Discurs...

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capa do ebook Autoetnografias de mulheres: relatos de letramentos, resistência e inclusão

Autoetnografias de mulheres: relatos de letramentos, resistência e inclusão

Publicado em 26 de janeiro de 2023.

A intenção deste e-book é apresentar minha tese de doutorado defendida
em maio de 2022, na Universidade de Brasília. Assim, o texto está quase em sua
totalidade igual ao texto da tese, incluindo, nesse caos, os sequências textuais
próprias do gênero acadêmico.
Muitas culturas apresentam narrativas para explicar a origem da mulher.
Eva, Pandora, Lilith. No texto bíblico, por exemplo, o relato no livro de Gênesis
conta que a primeira mulher foi criada a partir do homem para que fosse sua
ajudadora e estivesse ao seu lado. Embora haja muitas outras narrativas a
respeito de como a mulher tem uma origem diferente da do homem, considero a
relevância do relato bíblico pela sua grande influência na sociedade constituída,
contemporaneamente, inclusive, por conceitos culturalmente cristãos (SANTOS,
2019). Assim, os papeis femininos (BORTONI-RICARDO, 2004) e as relações de
gêneros também são influenciadas por esses conceitos que tentam estabelecer
diferenças entre homens e mulheres. No cerne desses conceitos, podem estar
arraigados discursos de opressão e exclusão dissimulados de cuidado e proteção.
Entretanto, além das narrativas e dos conceitos culturalmente estabelecidos,
há importantes concepções da construção social do que é ser mulher em seus
próprios discursos.
Considerando que esta tese usa elementos da memória para a
materialização dos discursos, começo pelas minhas. Nasci em Campo Grande,
Mato Grosso do Sul em fevereiro de 1976. Segundo o que contam, eu era
chorona e inconformada. Meu irmão mais velho e eu crescemos numa família
de grandes privilégios letrados. Meus pais já frequentavam uma denominação
religiosa de caráter protestante e era muito comum em nossa casa o material
de letramento religioso e meus pais adquiriam todo o material destinado às
crianças produzido pela igreja. Além disso, algumas pessoas da nossa família
são musicistas e isso fez com que meu irmão e eu estudássemos piano
desde pequenos. Os letramentos sempre estiveram presentes em minha vida.
Meu interesse por leitura e escrita, mais por leitura, são de berço, graças ao
incentivo dos contextos familiares e sociais em que eu estava inserida. Então
pensei que concluir a graduação em Letras seria como estar em casa. Porém,
como todas as mulheres colaboradoras desta pesquisa, percebi que a jornada
rumo ao letramento acadêmico e até mesmo escolar é marcada por muita luta;
começando pelo acesso e pela permanência das mulheres nas instituições de
ensino.
Revivo as memórias sobre o tema, que era recorrente nas falas de minha
mãe e minhas avós. Ecléa Bosi (1983) diz que nosso interesse em lembrar está
no que escolhemos para perpetuar em nossa história. Assim, escolho lembrar
das falas de minhas antepassadas em sua indignação pelas dificuldades de
acesso aos letramentos.
Lembro de quando minhas avós contavam dos costumes na sua época.
Escola, por exemplo, só para os meninos porque as meninas, se aprendessem
a ler e a escrever, correriam o risco de escrever carta para algum namorado e
isso seria inadmissível; tanto a escrita quanto o namoro. Nos anos de 1950,
no que é hoje o Mato Grosso do Sul, era assim que a maior parte das famílias
pensavam e agiam. No entanto, tenho orgulho de falar de minhas avós que
quase não receberam educação formal, mas aprenderam a ler e a escrever e,
até ensinaram outros, empregando o letramento em diversas práticas sociais de
que faziam parte.
As histórias de letramento de minhas avós são interessantes. Minha avó
paterna nunca foi à escola, não porque não havia nenhuma escola em sua região,
mas porque seus pais só permitiram que seu irmão mais velho frequentasse o
lugar. Essa avó aprendeu a ler em rótulos de latas de embalagens alimentos;
ela gostava muito de ler tudo o que viesse em suas mães. Minha avó materna
frequentou uma escola rural por três anos e lá aprendeu a ler e escrever. Ela se
casou aos 15 anos com meu avô, que não sabia ler, então, minha avó o ensinou.
Os letramentos do cotidiano, como as leituras de calendários, de
embalagens, das receitas culinárias, das cartas para familiares, de notícias e
outras práticas são relevantes para a formação das práticas sociais mediadas
pela leitura e pela escrita (BORTONI-RICARDO, 2014; KALANTIZIS; COPE;
PINHEIRO, 2020; ROJO, 2009). Ainda há o letramento religioso dos quais elas
e suas famílias faziam parte; dessa forma, a leitura das histórias dos santos, das
rezas, das orações e de hinos religiosos, fizeram parte de minha formação de
letramento desde o tempo de minhas avós.
Mesmo os letramentos fazendo parte de nossa vida como família, minha
mãe foi impedida de frequentar a escola e chorou um ano por causa disso até
que seu pedido fosse atendido. Como meu modelo de superação e resiliência,
minha mãe conclui a graduação em Letras e é pós-graduada em Psicopedagogia.
Essas mulheres, descendentes de algumas e antepassadas de outras,
foram protagonistas de suas vidas e deixaram o legado de que é preciso tomar
as rédeas de sua existência, seguir em frente e batalhar para serem respeitadas
e valorizadas. Contar sua história de vida faz parte do processo de aceitação de
si própria e de suas conquistas.
Minhas antepassadas não são diferentes das mulheres que fazem parte
desta pesquisa. Todas elas nascidas e criadas no campo, na roça, no mato. No
entanto, as protagonistas que entrevistei, diferente das minhas avós, têm em
comum o ingresso no curso Licenciatura para a Educação do Campo (LEdoC),
que, como um divisor de águas, abre espaço para a leitura, a escrita, o mundo.
O protagonismo feminino é visível em todas as sociedades. Além disso,
as mulheres têm muitas formas de estar no mundo e uma delas é relatar sua
trajetória de vida. Mulheres contam e recontam histórias. Grande parte dessas
narrativas são baseadas em sua própria vivência, na memória que têm do que
viveram, viram e experimentaram. Suas narrativas de vida dão conta do quanto
precisaram resistir para conquistarem o espaço do letramento acadêmico.
A justificativa para esta tese, então, está baseada na realidade
contemporânea que, embora a sociedade apresente avanços em relação ao
acesso pleno das mulheres aos letramentos acadêmicos, ainda esbarramos
em práticas de exclusão, opressão e desvalorização da mulher. Então, minha
pretensão é evidenciar as conquistas relatadas nas autoetnografias das mulheres
colaboradoras.
Num trecho da autoetnografia de Esperança, uma das mulheres que
colaboram com a pesquisa, ela diz: “Meu sonho é ser professora doutora”. Tomo
emprestado esse excerto para introduzir o tema desse trabalho ao relatar trajetórias
de vida e sua relação com os letramentos na construção do empoderamento
feminino por meio dos letramentos. As autoetnografias das mulheres acabam
entrelaçadas com a minha porque eu também cursei licenciatura; igualmente me
sobrecarreguei com os cuidados domésticos e familiares e, da mesma forma que
elas, tenho uma história de inclusão no espaço acadêmico a contar.
Tenho a consciência de que um trabalho acadêmico, por mais elaborado,
jamais refletirá com totalidade a riqueza de uma vida narrada por si mesma,
porém, o que está escrito reflete a vontade dessas mulheres de contarem
suas histórias. Por isso, a abordagem metodológica é qualitativa e emprega
a etnografia e a autoetnografia num viés netnográfico de interação mediada
pela internet (CHANG, 2008; ADAM; ELLIS; JONES, 2017; SANTOS, 2017;
OLIVEIRA, 2016).
Nas lembranças relatadas, há também o registro histórico da LEdoC, em
que ‘ledoquianas’ entrelaçam sua existência ao desenvolvimento e crescimento
desse curso que contribui grandemente para a formação docente de indivíduos
nas comunidades tradicionais.
Partindo do pressuposto que as voluntárias da pesquisa relatam o
que vivenciaram, as asserções desta tese incluem a interface com o discurso
narrativo de memória. Dessa forma, o reencontro com as vivências nasce pelo
desejo de lembrar e contar o que testemunhou, relembrar as pessoas com quem
conviveu e reviver um passado que pode ser distante ou não: a mulher que
fala de si mesma rememora fragmentos numa perspectiva de narrar o passado
numa conexão com o presente e o futuro. Nessa perspectiva, as interações aqui
registradas estão situadas em práticas sociais construídas por meio de enquadres
sociointerativos (GOFFMAN, 2013b) dos discursos narrativos (BAKHTIN, 2003;
2016). Cabe destacar que as bases teóricas para a condução desta tese são
as da Sociolinguística Interacional, os do Letramentos e da teoria dos Gêneros
Discursivos.
O interesse em pesquisar a narrativa de mulheres da LEdoC surge da
visível mudança social que as ledoquianas protagonizam depois de concluírem
o curso; ao retornarem às suas comunidades, várias atuam como líderes e
ativistas de causas sociais. São professoras, pesquisadoras, agricultoras,
agentes comunitárias, e outras atividades, exercendo de forma mais consciente
e transformadora seu papel como cidadãs.
Assim, as perguntas que norteiam a pesquisa fazem parte da intenção de
investigar, por meio de autoetnografias, aspectos sociointeracionais presentes
nas narrativas como gênero situacional.

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Autoetnografias de mulheres: relatos de letramentos, resistência e inclusão

  • DOI: 10.22533/at.ed.175232401

  • ISBN: 978-65-258-0917-5

  • Palavras-chave: 1. Autobiografia - Aspectos psicológicos. 2. Pesquisa. 3. Letramento. 4. Discurso. 5. Educação. I. Oliveira, Silvia Naara da Silva Pinto de. II. Título.

  • Ano: 2023

  • Número de páginas: 192

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